sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

O Filme Nell (1994) e a hipótese do Período Crítico


Por Otávio Martini

A linguagem humana é objeto de curiosidade de vários pensadores desde a Grécia antiga, filósofos importantes como Platão já encontravam em suas reflexões um lugar para essa ferramenta essencial para a sobrevivência. Desde que o suíço Ferdinand de Saussure propiciou o desenvolvimento da lingüística como uma ciência autônoma no início do século XX, muitos cientistas tem desenvolvido pesquisas no intuito de explicar como se dá o processo de aquisição da linguagem e os diversos aspectos estruturais das línguas naturais.
Uma das mais significativas teorias linguísticas da atualidade é o Gerativismo ou Teoria Gerativa, proposta pelo linguista, filósofo e ativista político estadunidense Avram Noam Chomsky, entre os muitos aspectos contemplados pela investigação do programa gerativo está o chamado Período Crítico. Partindo do postulado que afirma a existência de um dispositivo inato responsável pela aquisição da linguagem (Gramática Universal), a hipótese do período crítico consiste na ideia de que entre os dois anos de idade e a puberdade, o ser humano passa por um período mais sensível no processo de aquisição, e caso a criança não adquira a linguagem durante esse período, seu desenvolvimento linguístico será comprometido.
O filme Nell, dirigido pelo cineasta inglês Michael Apted, trata dessa questão com a história fictícia da protagonista, interpretada por Jodie Foster. A jovem Nell é encontrada vivendo em uma cabana no meio de uma floresta logo após a morte da mãe. Afastada do contato humano, exceto pela genitora e a irmã gêmea falecida na infância, a garota desenvolveu um comportamento agressivo em relação aos estranhos. Um médico da cidade chamado Jerome Lovell (Liam Neeson) interessa-se pelo caso e decide estudar o comportamento da “garota selvagem”.
O caso repercute no meio clínico ao ponto da Dra. Paula Olsen (Natasha Richardson) e do Dr. Paley (Richard Libertini) unirem seus esforços com o intuito de internar a jovem com o fim de estudar seu comportamento. Lovell, contudo, opõe-se a essa resolução defendendo que Nell consegue sobreviver tranquilamente sem a ajuda de qualquer pessoa, fato presenciado por ele que a observava há algum tempo.
O caso é levado ao Tribunal e o Juiz decide conceder três meses ao médico e à psicóloga para que a jovem seja observada e, após esse tempo, realize-se uma nova seção para decidir seu futuro, no decorrer deste período, Jerome consegue perceber algumas características da linguagem utilizada por Nell e aos poucos consegue compreender alguns enunciados, chegando a estabelecer uma frágil comunicação com a jovem, ao passo que esta se habituava à companhia do médico.
Posteriormente, a Dra. Olsen instala câmeras e microfones enquanto Nell dorme e percebe que muitas das palavras emitidas pela jovem são vocábulos do inglês com pronúncia distorcida, um provável reflexo da linguagem aprendida com a mãe, vítima de derrame e paralisia, e, portanto, incapacitada fisicamente de articular com perfeição os sons da língua. Essa hipótese é confirmada pouco tempo depois quando “Jerry” agora muito próximo à garota lê trechos da bíblia e percebe que Nell repete as palavras a seu modo, nesse trecho em especial é possível refletir acerca da relação entre o dispositivo inato e o ambiente, pois a personagem em contato com a fala comprometida da mãe adquire a linguagem com todas as características e desvios do ambiente linguístico em que se desenvolveu, corroborando as ideias de Chomsky, que diz que o ambiente tem influência direta sobre a criança, no sentido de acionar o dispositivo com o qual a criança já nasceu.
As tentativas de diálogo e compreensão entre os médicos e a paciente são cada vez mais bem sucedidas; contudo, a interferência de curiosos, que aos poucos começam a rodear a casa, faz com que Jerome e Paula decidam levar Nell à cidade para um primeiro contato com a civilização, com a constante insistência por parte do Dr. Paley, Nell é internada em uma clínica, de onde é retirada pelo Dr. Lovell que a leva para um hotel, o dia da seção se aproxima e a jovem não pronuncia mais palavra alguma e passa a maior parte do tempo adormecida.
No tribunal, médico e psicóloga são acusados de se envolver emocionalmente com a paciente, mas então Nell se expressa dizendo que aprendeu muito em companhia dos médicos e que seu lar é a floresta, com isso o Juiz decide que ela deve continuar vivendo em sua cabana.
Passados cinco anos, Jerome e Paula, casados e com uma filha, visitam Nell em sua casa. À medida que o contato da personagem com falantes diversos do inglês aumenta no decorrer da trama, é possível notar que o estágio inicial de comunicação por meio de balbucios progride e Nell consegue aos poucos articular algumas palavras de maneira mais clara, contudo, mesmo depois de alguns anos sua fala continua marcada pelas características iniciais, essa melhora na articulação de algumas palavras pode ser explicada dentro da Teoria Gerativa como um aprendizado cognitivo de habilidade, ou seja, para Nell não seria mais possível adquirir uma nova linguagem sem desvios, pois isso já não seria mais função da Gramática Universal.
O filme recebeu uma indicação ao Oscar e três ao Globo de Ouro nas categorias de Melhor Atriz, Melhor Filme – Drama e Melhor Trilha Sonora e é um estimulante auxílio na compreensão da hipótese do Período Crítico, especialmente recomendado a pesquisadores e estudantes da área.


Um comentário:

  1. Muito interessante! Incrível como o contato com o nosso próximo tem esta capacidade de influência! Tremendo!

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