sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

Professor, você já ouviu falar em políticas de fechamento da língua?

Por Carla Micheli Carraro

Marina Célia Mendonça em seu capítulo denominado Língua e Ensino: políticas de fechamento traz à tona um assunto que permeia o âmbito social, e que se solidifica intensamente na escola tratando-se do ensino de língua, que são as políticas de fechamento. Pode-se entendê-las como um fechamento das diversas maneiras de se trabalhar com a língua, ou seja, como se fosse um trabalho enquadrado com a língua, em que só há espaço para o reforçamento do normativismo linguístico.

As políticas de fechamento provêm de instâncias que atuam como formadoras de opinião e, neste sentido, Mendonça (2009) cita a mídia, os livros didáticos (que podem fazer do professor um adepto das políticas de fechamento) e também os vestibulares. 

Não é difícil perceber que estas instâncias agem no sentido de considerar como certa somente a língua culta, não abrindo espaço para a questão das variações linguísticas, enxergando estas como sendo aspectos que empobrecem a língua portuguesa. Um exemplo desta situação, que ocorreu recentemente, foi a polêmica, amplamente divulgada por um viés negativo pela mídia, do livro didático “Por uma vida melhor” do MEC e o tema das variações linguísticas que o livro contemplava.

Observa-se que camufladamente e por trás das políticas de fechamento está enraizada uma questão linguístico-ideológica, vinculada à manutenção do discurso do poder, que está nas mãos da classe alta brasileira.

Percebe-se que as políticas de fechamento dos formadores de opinião são bastante lógicas: a mídia, que tem uma forte influência sobre os indivíduos, trabalha com o discurso pronto e passa essa ideia às pessoas, de que o discurso precisa ser formal, um exemplo disso é que em pesquisas realizadas, os brasileiros elegeram o Jornal Nacional (Rede Globo de televisão) como o modelo de fala e escrita dos brasileiros. Logo, tendo esse modelo, isto acaba influenciando o ensino, visto que, se o professor não tiver o conhecimento de variações linguísticas, de contexto, de múltiplas interpretações, também acabará convencido pela mídia e, posteriormente, influenciará seus alunos a pensar a língua como um modelo estanque, “correto”, que não admite erros, uma vez que o professor é também um formador de opinião.

Neste sentido, vemos as políticas de fechamento vinculadas a um ensino de base tradicional, e que se manifestam, por exemplo, na prática da leitura, compreensão e interpretação, em que, ao invés de se criar condições para que o aluno compreenda os diversos sentidos de um texto e se posicione frente a ele, o que muitos professores acabam fazendo é fechando as perguntas e, consequentemente, as respostas, para uma forma correta apenas, ocorrendo, assim, o silenciamento de sentidos textuais, não abrindo espaço para a elaboração de hipóteses interpretativas, para as inferências, para o conhecimento de mundo, para as intertextualidades, para a noção de contexto, então, o professor corrigirá, e tudo que não estiver “enquadrado perfeitamente” na resposta, considera-se como errado. Enfim, cortam-se os brotos de construções de sentidos diversos que um aluno pode elaborar de um texto. 

O silenciamento ocorre também na produção escrita, com a 'estereotipação' dos gêneros discursivos, uma vez que muitos professores acabam por trabalhar modelos, redações escolares artificiais, sem nenhum contexto de produção, sem interlocutores, sem finalidades específicas. Ademais, o professor, com frequência, acaba não se posicionando como leitor do texto do aluno, atua como um mero corretor, que sai à caça de erros gramaticais e ortográficos. O estudante, sem ter bases para refletir acerca do que escreveu, pois nem o professor foi um leitor interessado de seu texto, acaba ficando à margem de seu próprio dizer.

Ressalta-se, então, que é importante o professor ter conhecimento do que são as políticas de fechamento, visto que, muitas vezes, o professor acaba silenciando os sentidos do texto, sem se dar conta de que está fazendo isso. Logo, se ele tiver consciência do quanto o aluno deixa de aprender com o silenciamento, o professor refletirá mais, pois é alguém que irá instigar a criticidade dos alunos.

Sabendo do panorama das políticas de fechamento, conforme Mendonça (2009), a linguística atual surge com contribuições para a superação do silenciamento dos discursos, principalmente no espaço escolar. À respeito do assunto, segundo pressupostos linguísticos, o que pode ser feito em sala de aula é considerar as várias leituras de um texto (oral ou escrito), trabalhar com a produção de textos levando em conta os gêneros discursivos, os interlocutores, o contexto de produção, o público alvo, a finalidade, trabalhar a língua em diferentes situações, contextos, grau de formalidade, informalidade, trabalhar as diferenças entre textos orais e escritos, levando em conta sempre a reflexão sobre a língua. Percebemos, assim, que os linguistas vem trabalhando na contramão das políticas de fechamento, contribuindo para que, de fato, aconteça o letramento no ensino e que o aluno não seja treinado mecanicamente para utilizar a língua, mas que reflita e utilize a língua de acordo as situações que lhe vierem.

Uma alternativa é entender que a grande reviravolta deve começar pelo ensino, pois assim a lógica se inverterá: os alunos serão formados por meio da reflexão e consciência linguística na escola, para que se tornem sujeitos que sabem lidar com o grande caleidoscópio que é a língua no âmbito social e, assim, não serão alienados pela mídia ou por outra instância formadora de opinião que segue os mesmos pressupostos, mas se tornarão sujeitos do seu próprio dizer. 

Referência: 
MENDOÇA, Marina Célia. Língua e Ensino: políticas de fechamento. In: MUSSALIM, Fernanda; BENTES, Anna Christina. Introdução à Linguística. 6 ed. São Paulo: Cortez Editora, 2009.

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