sábado, 27 de junho de 2015

Concepções de escrita

Por: Lorena Reck Portela Rebesco

Segundo Bakhtin/Volochinov (apud MENEGASSI, 2013, p. 105-106) “a palavra é uma espécie de ponte lançada entre mim e os outros”. O discurso, quando ocorre, não é mais propriedade exclusiva do autor, pois seu sentido também é determinado pela interpretação do outro. Dessa forma, um discurso pode ter sentidos diferentes a depender dos interlocutores que o recebem e o interpretam. Essa teoria, que repercute no ensino da escrita na escola, é defendida por Bakhtin e se chama Concepção Dialógica da Linguagem. Porém, o ensino da produção textual brasileira já passou por diversas concepções, utilizadas em diversos períodos históricos. A seguir, será explicada, de forma resumida, cada uma delas, dando-se maior enfoque, ao final, à teoria cujo amparo teórico está fundamentado na concepção dialógica de linguagem. De acordo com Menegassi (2013), são conhecidas quatro concepções de escrita: a) escrita com foco na língua; b) escrita como dom/inspiração; c) escrita como consequência e c) escrita como trabalho.

a) A escrita com foco na língua

Essa concepção está fundamentada na ideia de que um bom escritor redige seu texto sem erros gramaticais. O professor propõe aos alunos a resolução de diversos exercícios com a finalidade de que eles internalizem as regras gramaticais e escrevam seus textos segundo a norma padrão vigente.

b) A escrita como dom/inspiração

A partir dessa concepção, os alunos devem desenvolver suas produções textuais a partir de uma frase ou comando proposto pelo professor. Não há discussão ou mesmo amparo teórico prévio para o desenvolvimento do texto. Os alunos escrevem com base em seus conhecimentos internalizados a respeito do assunto. Geralmente, essas produções são vistas e não lidas pelo professor.

c) A escrita como consequência

Essa concepção de escrita é utilizada geralmente quando o professor retira o aluno do perímetro escolar ou foge um pouco das atividades desenvolvidas regularmente. Ocorre quando é transmitido algum vídeo, proposto um passeio para visitar determinado lugar, desenvolvido um debate, etc. Após a atividade, o professor solicita a confecção de um relatório, que também geralmente é visto e não corrigido pelo professor. O problema dessa concepção é que ela traz a ideia de que a produção textual é uma penalidade aplicada em razão da atividade motivadora de interação, dentro ou fora da escola. Além disso, o registro escrito comprova apenas que o aluno participou da atividade, não necessariamente que ele a entendeu.

c) A escrita como trabalho

A escrita como trabalho está amparada na Teoria Dialógica da Linguagem, defendida por Bakhtin. Para produzir um texto, o aluno deverá passar por um processo: planejamento, execução do texto escrito, revisão e reescrita. Assim, a produção textual é um trabalho consciente, planejado, deliberado e repensado. O aluno deve ter conhecimento sobre: a) o que vai dizer, ou seja, informar-se sobre o tema; b) saber quem é o destinatário de sua produção (interlocutor); c) a finalidade do texto; d) o gênero escolhido e as peculiaridades a ele inerentes, como, por exemplo, organização composicional e estilo de linguagem.
De acordo com Menegassi (2013, p. 109), essa concepção de escrita é conhecida como “trabalho” porque dá trabalho, uma vez que o autor precisa preparar, construir, revisar, reescrever e avaliar um texto. Porém, ela torna a prática da escrita algo mais completo e eficiente, de modo que “o aluno possa enfrentar o mundo atual como cidadão participativo, reflexivo e autônomo, conhecedor de seus direitos e deveres” ( PCN, 1997, p. 04).

Revisão textual

Feitas essas considerações e explicado por que a concepção dialógica da escrita como trabalho deve ser priorizada no contexto escolar, torna-se importante tecer algumas considerações sobre o papel do professor no momento da revisão e reescrita das produções textuais de seus alunos. Menegassi (2013, p. 109), de forma clara e objetiva, traz em seu artigo diversos apontamentos interessantes sobre como o professor pode corrigir textos de modo a ajudar os discentes no processo de reescrita.
A importância da revisão e reescrita no contexto escolar está descrita em dois importantes documentos: os Parâmetros Curriculares Nacionais da Língua Portuguesa – PCNs (Brasil, 1997), e as Diretrizes Curriculares da Educação (Paraná, 2008). Consta nos PCNs que é fundamental “monitorar todo o processo de produção textual, desde o planejamento, de tal maneira que o escritor possa coordenar eficientemente os papeis de produtor, leitor e avaliador do próprio texto”.
Contudo, conforme explica Evangelista (apud MENEGASSI, 2013, p. 113), o professor até “tem boas intenções sobre o trabalho e sobre a escrita, mas não tem clareza teórica e metodológica sobre como explicitá-las ao aluno”. Para ajudar o docente nesse trabalho de revisão e correção de textos, Serafini (apud MENEGASSI, 2013, p. 113) ensina importantes princípios:
1) A correção não deve ser ambígua – é preciso mostrar o erro de forma precisa;
2) Os erros devem ser reagrupados e catalogados;
3) O aluno deve ser estimulado a rever as correções feitas, compreendê-las e trabalhar sobre elas;
4) O professor deve estar pré-disposto a aceitar o texto do aluno – É muito importante que o professor tenha uma postura aberta e receptiva em relação ao texto, aceitando sem preconceitos o enfoque, as ideias, o estilo e a linguagem escolhidos pelo estudante;
5) Devem-se corrigir poucos erros em cada texto;
6) A correção deve ser adequada à capacidade do aluno – O estudante muito criticado, cujos textos vem cheio de correções, sente-se mal a ponto de tornar-se incapaz de escrever.
Após a correção feita pelo professor, o aluno pode utilizar quatro operações linguístico-discursivas para reescrever seu texto: a) Adição ou acréscimo (acentuação, pontuação, grafema, palavra, frase, etc); b) Supressão (acentuação, pontuação, grafema, palavra, frase, etc); c) Substituição (supressão substituída por um termo novo); Deslocamento (troca de elementos).
As revisões feitas pelo professor podem ser indicativa, resolutiva, classificatória e interativa. Ruiz (apud MENEGASSI, 2013, p. 114) chama atenção sobre a importância desta última. Por meio dela, o professor pode fazer comentários mais longos e claros, usando bilhetes no final do texto, de modo a estabelecer uma maior proximidade e diálogo com o aluno. De forma simultânea o professor “explica, esclarece, instrui, define regras que asseguram a competência mínima esperada, modela, monitora, estimula e elogia o progresso, sempre com um papel crítico e positivo”. (GARCEZ, 1998; MENEGASSI, 2013)
Por outro lado, a utilização das outras técnicas, apenas, pode não se mostrar eficiente. Por exemplo, a revisão por indicação pode gerar ambiguidade, pois o aluno poderá não entender o que deve ser revisto e agir com descaso em relação ao apontamento. Já na correção classificatória o aluno pode não entender os símbolos utilizados pelo professor e confundir-se. Por fim, na correção resolutiva o aluno não tem a chance de refletir ou trabalhar sobre seu erro, aceitando a correção do professor sem o menor esforço.
Além desses apontamentos, Menegassi (2013) elenca outros cuidados que o professor deve ter no momento da correção de um texto: a) elogiar o que o aluno fez de bom, pois isso permite a aproximação entre aluno e professor, além de incentivar a construção de novos textos; b) utilizar uma linguagem compatível com a série trabalhada, pois o educador não pode usar um vocabulário muito formal em séries do ensino fundamental ou muito simplista em cursos superiores; c) cuidar com a poluição visual (desordem, flechas cruzando o texto, anotações longas no meio do texto), pois esse tipo de atitude pode ser interpretado pelo aluno como uma agressão, como se tudo estivesse ruim em sua produção; d) fazer seus comentários fora das linhas do texto, no final das frases ou no pós-texto; e) fazer as correções resolutivas, como pontuação, ortografia, supressão, acréscimo e substituição de termos no próprio texto.
A leitura do artigo de Menegassi é fundamental para os docentes que trabalham com a revisão e reescrita de produções textuais. Como ingressante no PIBID e aluna do primeiro ano do curso de Letras, encontrava muita dificuldade no momento da correção de textos dos alunos, pois não sabia como deveria identificar o erro, como abordar o aluno para não desmotivá-lo, como ser clara e objetiva, etc. Com a leitura, discussão e aprendizado a partir do artigo, o trabalho de correção certamente será mais eficaz e produtivo.

Referências

BRASIL. MEC. Parâmetros curriculares nacionais de língua portuguesa. Terceiro e quarto ciclos do Ensino Fundamental. Brasília: MEC/SEF, 1998.

GARCEZ, L. H. C. A escrita e o outro: os modos de participação na construção do texto. Brasília, DF: UNB, 1998.

MENEGASSI, R. J. A revisão de textos na formação docente inicial. In: GONÇALVES, A. V. (orgs.). Interação, gêneros e letramento: a (re)escrita em foco. Campinas, SP: Pontes Editores, 2013.


RUIZ, E. A correção (o turno do professor): uma leitura. In: Como se corrige redação na escola. Campinas, SP: Mercado das Letras, 2001, p.47-73.


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