sexta-feira, 4 de janeiro de 2013



Caros leitores,
A nossa primeira sugestão de leitura de 2013 segue, a seguir, na íntegra, e continua abordando a temática do Acordo Ortográfico. Trata-se de uma carta enviada ao Ministro da Educação pela linguista Stella Maris Bortoni-Ricardo, publicada em http://www.stellabortoni.com.br/, e da resposta do também linguista Carlos Alberto Faraco. A leitura e a divulgação dos argumentos ali postos são fundamentais. Vamos à leitura.

"Prezado Ministro da Educação,
Vejo que o MEC está novamente às voltas com o Acordo Ortográfico e é interessante constatar que hoje no Brasil há tantas pessoas palpitando sobre normas ortográficas quantos técnicos escalando a seleção brasileira de futebol. Muitos desses palpiteiros fazem lobby junto ao Congresso Nacional e cada um tem uma determinada regra que gostaria de ver alterada: acha esquisito escrever “ideia” sem acento e, pior ainda, suprimir o trema, temerosos de que as próximas gerações não saibam pronunciar “linguiça” ou “frequência”.
O Brasil transformou o Acordo Ortográfico em lei para honrar sua concordância com as novas normas no âmbito da Comunidade de Países de Língua Portuguesa _ CPLP _ em 1990. A intenção era terem os oito países dessa Comunidade um sistema unificado de representação escrita, de modo a facilitar o uso da Língua Portuguesa em organismos internacionais, bem como a incrementar intercâmbio de material impresso , em papel ou em meio eletrônico. Recentemente o Governo Federal resolveu ampliar o prazo de obrigatoriedade das normas acordadas. Agora estão falando em aproveitar esse prazo e modificar o conteúdo do referido Acordo. Senhor Ministro, assim que aprovado na forma da lei, o Acordo implicou um imenso conjunto de providências no Brasil, principalmente em relação ao material impresso no país. Isso tudo teve um custo alto, que seria desejável que fosse avaliado por órgãos da sociedade civil, como a ABI e o CBL . Todos os livros didáticos, por exemplo, adquiridos pelo MEC por meio do PNLD, adaptaram-se à nova ortografia. Também os cidadãos que desejam fazer concursos públicos, inclusive os vestibulares e o ENEM, correram atrás e fizeram cursinhos, o que também tem um custo alto , financeiro e em termos de horas de trabalho. Reformas ortográficas são de fato muito onerosas, por isso países mais industrializados do que o nosso, como os países de língua inglesa ou língua francesa não as fazem.
Senhor Ministro, temos ainda no Brasil 13,9 milhões de jovens, adultos e idosos que não sabem ler nem escrever – ou 9,6% da população de 15 anos ou mais, segundo o Censo 2010 –, e os governos e a sociedade brasileira terão de dobrar o ritmo de queda do analfabetismo para cumprir a meta assumida perante a ONU de chegar à taxa de 6,7% em 2015. Além disso temos o equivalente à população de dois Chiles de analfabetos funcionais. A superação desses problemas tem de ser a prioridade de seu Ministério, e não as minudências referentes a um Acordo Ortográfico, já aprovado e em vias de consolidação.
Feliz Ano Novo.
Stella Maris Bortoni
Professora Titular de Linguística, UnB".


Resposta de Carlos Alberto Faraco (publicada em http://www.stellabortoni.com.br/)
"Prezada Stella Maris:
Parabéns pela iniciativa. O governo brasileiro cometeu um erro enorme ao prorrogar o prazo de implantação das normas do Acordo de 1990. Abriu mão de uma liderança que construiu desde 2004, quando a diplomacia brasileira "ressuscitou" (com vistas a seus interesses nos organismos internacionais) o Acordo. Com a medida, instaurou uma incerteza no espaço lusófono em geral e, entre nós, instaurou incertezas no mundo editorial e escolar. Desrespeitou a Comissão técnica (de que nós fizemos parte) que assessorou o governo federal na implantação do Acordo. Por fim, deu oxigênio às mais estapafúrdias propostas de "acordar melhor" - bobagens de quem claramente não entende nada de ortografia e da construção histórica da nossa ortografia em particular.

O que justifica a prorrogação quando a ortografia do Acordo foi adotada em janeiro de 2009 por toda a imprensa brasileira e progressivamente pelas editoras do país? O que justifica a prorrogação quando o PNLD (o maior programa editorial do Brasil e um dos maiores do mundo) exigiu o uso da ortografia do Acordo a partir de 2010? O que justifica a prorrogação quando os sistemas de ensino divulgaram amplamente as (irrisórias) mudanças? O que justifica a prorrogação considerando os custos de implantação da ortografia do Acordo, já consolidada entre nós?

A prepotência burocrática dos nossos governantes e a total irresponsabilidade da medida são, de fato, impressionantes. Vou ajudar a divulgar a sua carta, muito oportuna.

Um abraço.
Faraco"







Nenhum comentário:

Postar um comentário