sexta-feira, 24 de julho de 2015

Leitura tutorial do poema “Cidadezinha qualquer”

Por: Rosana Taís Rossa

Chama-se leitura tutorial a metodologia que traz o professor como mediador durante o processo de leitura e compreensão de um texto. A intervenção realizada pelo professor acontece quando ele promove questionamentos e reflexões antes, durante e depois da leitura. Portanto, já que temos a participação de docentes e discentes, temos uma leitura compartilhada.

Devemos sempre levar em consideração a importância da leitura na formação dos indivíduos, já que é a partir dela que conhecimentos de todas as áreas são propagados. E é justamente por todas as áreas do conhecimento estarem envolvidas no processo de aprendizagem com base na leitura que os professores de todas as disciplinas devem exercitar a leitura e compreensão de seus alunos.

Tendo em vista a atividade de leitura tutorial como uma forma de explorar e aumentar as capacidades de compreensão e interpretação dos alunos, entendemos que o primeiro passo deve ser dado antes de a leitura começar:

- Ler ou escrever o nome do texto no quadro e pedir que os alunos sugiram qual é o assunto tratado a partir do título é uma boa forma de começar a explorar os elementos textuais;

- Após as primeiras sugestões serem levantadas, é importante que o professor vá acionando os conhecimentos prévios dos alunos, fazendo com que “uma coisa puxe a outra” até que o tema do texto surja na turma. Como exemplo, podemos citar o conto de Luís Fernando Veríssimo, “Aprenda a chamar a polícia”. No primeiro momento, pode-se escrever o título da crônica no quadro e perguntar aos alunos qual assunto será discutido no texto. Então, o professor pode começar as perguntas de pré-leitura indagando os alunos qual é a melhor forma de chamar a polícia. É claro que surgirão diversas informação confusas e engraçadas, mas se forem exploradas de forma certeira, possivelmente eles chegarão ao objetivo. Depois, pode-se perguntar aos alunos se é fácil ter uma chamada atendida pela polícia, se os policiais se preocupam com pequenas coisas, se é necessário passar informações erradas para eles a fim de obter resposta, se existe corrupção na polícia e ainda qual é o objetivo deles ao atender a um grande crime.
O professor sempre deve estar atento ao rumo que as discussões estão tomando, visto que alguns alunos se aproveitam desses diálogos para iniciarem conversas paralelas. Quando o docente perceber que o objetivo da atividade está sendo deixado de lado, ele deve partir para a próxima etapa, sem ficar batendo muito na mesma tecla para não saturar a turma.

Esse é um bom momento para "aquietar" os alunos e começar a leitura do texto escolhido:
- Depois que esgotarem os questionamentos, o professor pode entregar o texto para a turma e iniciar a leitura. Uma boa dica para a leitura compartilhada, considerando que alguns alunos não gostam de ler, é realizar um sorteio entre aqueles interessados em participar. Depois que todos os parágrafos forem distribuídos, eles podem começar a ler.
- Nesse momento, o professor pode ainda destacar aos alunos a necessidade de se respeitar o colega, pedindo que a turma fique em silêncio e escute apenas aquele que está lendo, pois sua voz é a única que deve ser ouvida na sala durante esse processo em que muitos conhecimentos estão sendo transmitidos.
- É imprescindível também que durante a leitura do texto o docente sempre explique o significado das palavras que ele julga desconhecidas para os alunos, pois assim facilita a compreensão da turma.
Após a leitura do texto ser concluída, o professor tem liberdade para propor diversas atividades aos alunos, desde questões de interpretação, até resumos, resenhas e ilustrações:
- Encerrada a leitura do texto, o professor pode perguntar se alguém tem dúvidas sobre palavras estranhas ou algum ponto que não ficou muito claro. É pertinente também que ele colha as impressões da turma, se gostou ou não do texto, se achou interessante ou irrelevante.
- Seguidamente, o docente pode lançar a questão sobre o tema do texto. Este condiz com as sugestões dadas por eles antes da leitura do texto? As interpelações feitas antes da leitura devem ser retomadas neste momento.
- Outras inquisições podem ser feitas sobre o assunto do texto, personagens, polifonia, ideias destacadas, pontos confusos, posicionamento do autor.
- Pode-se também solicitar que os alunos produzam um resumo ou uma resenha, desde que lhes seja previamente explicado o que são esses gêneros e qual é a sua finalidade. É conveniente que o docente explique aos alunos quais as diferenças entre resenha e resumo e deixe bem claro a qual das duas ele está solicitando.
- Por fim, os alunos podem tanto responder como formular questões sobre o texto lido, visto que ao produzirem as questões eles exercitam a memória e a habilidade de construir sínteses.
Salientamos que é fundamental que o professor esteja previamente preparado para a aula, com as questões formuladas e pronto para solicitar as atividades programadas, para que assim não haja desperdício de tempo.

O poema Cidadezinha qualquer, de Carlos Drummond de Andrade pode ser trabalhado em sala de aula considerando a leitura tutorial.

Cidadezinha Qualquer

Casas entre bananeiras
mulheres entre laranjeiras
pomar amor cantar.

Um homem vai devagar.
Um cachorro vai devagar.
Um burro vai devagar.

Devagar… as janelas olham.
Eta vida besta, meu Deus.


   Disponível em: http://www.poesiaspoemaseversos.com.br/cidadezinha-qualquer-drummond/#.VQbMPdLF-6IAcesso em 24 de julho de 2015.

Sugestões de perguntas e discussões a serem levantadas juntamente com a turma:

Antes da leitura
- Escrever o nome do poema no quadro.
- Perguntar o que o título nos transmite.
- Será que o texto falará sobre alguma cidade específica?
- Vocês já conhecem esse texto?
- Vocês conseguem identificar qual é esse gênero discursivo?
- E sobre o autor, Carlos Drummond de Andrade, vocês já ouviram falar? Conhecem outras obras dele?

Primeiro os alunos devem fazer a leitura silenciosa do poema. Depois o professor realiza a leitura tutorial.

Durante a leitura
- Por que o poema nos traz a construção “Casas entre bananeiras” e não “Bananeiras entre casas”? Será que ele está nos insinuando que existem mais bananeiras do que casas?
- Quando o autor nos fala “Mulheres entre laranjeiras”, ao que ele pode estar se referindo? Qual é função das mulheres que não trabalham fora?
- Que ambiente está sendo representado nesse poema: cidade ou interior?
- No terceiro verso do poema “Pomar amor cantar”, observamos que não há pontuação entre as palavras. O que essa construção denota? Ele pode estar representado a vida corriqueira, sempre metódica, vivida em alguma cidade do interior? Vocês acham que esse verso remete mais a um personagem masculino ou feminino? Por quê?
- Na segunda estrofe, vemos a repetição de uma estrutura (Um ... vai devagar). Qual o motivo para o autor repetir três vezes essa sequência, mudando apenas o substantivo? Será que ele quer mostrar a tranquilidade da vida cotidiana no campo e sua mesmice constante?
- Como podemos interpretar o verso “Devagar... as janelas olham”? As janelas têm olhos, ou são as pessoas que estão espiando através delas? O que as pessoas procuram quando se debruçam nas janelas?
- O último verso, “Eta vida besta, meu Deus”, resume a realidade destacada em todo o poema? O que ele significa? A vida levada pelos habitantes dessa cidadezinha qualquer realmente é inútil e sem graça, sem sentido ou finalidade?

Após a leitura
- O título do poema teve o mesmo sentido sugerido por você antes da leitura do poema?
- “Cidadezinha qualquer” valoriza o poema ou traz uma imagem de desdém ao local descrito?
- Após a leitura do texto, como você passou a ver a vida no interior? Será que as realidades são iguais às relatas no poema?
- Por que o poema não traz nomes de personagens?
- Quais são as principais características do poema?
- Fazer uma breve contextualização sobre o autor e suas principais obras.


Referências
BORTONI-RICARDO, S. M.; MACHADO, V. R.; CASTANHEIRA, S. F. Formação do professor como agente letrador. São Paulo: Contexto, 2010.

Poema Cidadezinha qualquer. Disponível em:  http://www.poesiaspoemaseversos.com.br/
cidadezinha-qualquer-drummond/#.VQbMPdLF-6. Acesso em: 24 de julho de 2015.

sexta-feira, 17 de julho de 2015

Proposta de leitura tutorial

Por: Monica C. Strona


Para Bortoni-Ricardo, Machado e Castanheira (2010), a leitura tutorial é também compreendida como leitura compartilhada. Nesse tipo de atividade, todas as estratégias de leitura possíveis são acionadas. Portanto, é uma prática que busca a compreensão global do texto e não apenas um exercício em que cada aluno parte do texto escolhido.

Para que ocorra uma boa leitura tutorial, podem-se oferecer aos alunos algumas atividades ou perguntas – antes, durante e após a leitura, de forma a aguçar a criticidade leitora. Logo de início (antes da leitura), pode-se discutir com os alunos qual a finalidade do texto em questão e qual objetivo o professor tem ao sugerir tal leitura. Afinal, dependendo do objetivo, as estratégias a serem trabalhadas serão diferenciadas.

Outro ponto importante é atualizar o conhecimento dos leitores, isto é, buscar informações sobre o assunto e trazer esse conhecimento para a sala de aula, compartilhando com os discentes. Fazer um diagnóstico prévio do assunto, também é bastante relevante. Ademais, os conhecimentos prévios podem determinar uma excelente ou péssima leitura.

Durante a leitura, é indispensável que o professor forneça informações pertinentes para que os alunos consigam compreender o texto, realizando antecipações, levantando e confirmando hipóteses, construindo interpretações.

Pode ocorrer, durante esse segundo processo, uma leitura silenciosa para que haja uma intimidade com o texto, porém depois se deve realizar uma leitura compartilhada para que exista uma exploração completa da leitura. Não se pode esquecer de realizar uma leitura inferencial, pois é necessário deduzir o que não está explícito. Para que o aluno consiga fazer as inferências, o professor deve atuar fortemente como mediador.

Ao término da leitura, o momento é de reflexão e expressão da sua compreensão. Assim sendo, realizar atividades complementares é fundamental. Nesse momento, pode ser organizada uma atividade no molde de questionário ou resumo, aumentando as possibilidades de construção dos sentidos textuais.




O sucesso da Mala




                                                                             Ilustração: Ana dos Anjos.

Respiro ofegante. Trago nas mãos uma pequena mala e uma agenda tinindo de nova. É meu primeiro dia de aula. Venho substituir uma professora que teve que se ausentar "por motivo de força maior". Entro timidamente na sala dos professores e sou encarada por todos. Uma das colegas, tentando me deixar mais à vontade, pergunta: 
- É você que veio substituir a Edith? 
- Sim - respondo num fio de voz. 
- Fala forte, querida, caso contrário vai ser tragada pelos alunos - e morre de rir. 
- Ela nem imagina o que a espera, não é mesmo? - e a equipe toda se diverte com a minha cara. 
Convidada a me sentar, aceito para não parecer antipática. Eles continuam a conversar como se eu não estivesse ali. Até que, finalmente, toca o sinal. É hora de começar a aula. Pego meu material e percebo que me olham curiosos para saber o que tenho dentro da mala. Antes que me perguntem, acelero o passo e sigo para a sala de aula. Entro e vejo um montão de olhinhos curiosos a me analisar que, em seguida, se voltam para a maleta. Eu a coloco em cima da mesa e a abro sem deixar que vejam o que há lá dentro. 
- O que tem aí, professora? 
- Em breve vocês saberão. 
No fim do dia, fecho a mala, junto minhas coisas e saio. No dia seguinte, me comporto da mesma maneira, e no outro e no noutro... As aulas correm bem e sinto que conquistei a classe, que participa com muito interesse. Os professores já não me encaram. A mala, porém, continua sendo alvo de olhares curiosos. 
Chego à escola no meu último dia de aula. A titular da turma voltará na semana seguinte. Na sala dos professores ouço a pergunta guardada há tantos dias: 
- Afinal, o que você guarda de tão mágico dentro dessa mala que conseguiu modificar a sala em tão pouco tempo? 
- Podem olhar - respondo, abrindo o fecho. 
- Mas não tem nada aí! - comentam. 
- O essencial é invisível aos olhos. Aqui guardo o meu melhor. 
Todos ficam me olhando. Parecem estar pensando no que eu disse. Pego meu material, me despeço e saio.

Cybele Meyer


Disponível em: http://revistaescola.abril.com.br/fundamental-1/sucesso-mala-634205.shtml. Acesso em 17 de julho de 2015.

Trabalhando o texto através da leitura tutorial
Para iniciar a aula com o texto escolhido, introduzimos aos alunos as perguntas que antecedem a leitura. - O que vocês entendem por mala? Qual seu significado? Para aumentar a curiosidade dos alunos, podemos apresentar algumas informações a respeito do surgimento das bolsas e malas, bem como fotos ou vídeos que as mostrem.        

As bolsas e malas nasceram da necessidade dos antigos carregarem seus objetos indispensáveis as necessidades da época, como moedas, remédios, leques, tabaco, escovas de cabelo, relíquias, livros de oração e pedras preciosas. E também foi na antiguidade que nasceu a crença de que as bolsas femininas guardavam segredos, pois em algumas tribos africanas, acreditava-se que a bolsa da feiticeira continha poderes sobrenaturais que permitiam que ela entrasse em contato com as forças superiores, e nenhum homem era capaz de abri-la, porque temia. (http://www.todavoce.com.br/fa-de-carteirinha/historia-das-bolsas).


Após o levantamento do conhecimento prévio sobre o assunto, podemos pedir a colaboração dos alunos a respeito do título do texto, ou seja, o que eles acham que poderá acontecer no desenrolar do texto, do que trata a história, etc. Nesse momento, também surge a necessidade de discutir o porquê do trabalho com determinado texto, qual a finalidade da leitura. Logo, podemos dizer que a finalidade em trabalhar com o texto “O sucesso da mala” não é apenas conseguir depreender o que está no corpo do texto; este trabalho consiste em ir além do texto, em enxergar aquilo que é invisível aos olhos, como diria “O Pequeno Príncipe”. A autora do texto nos conduz ao pensamento de que dar aulas não é a pior nem a melhor coisa do mundo, porém, o que se coloca em pauta é o modo de lidar com os alunos, o despertar para a vida sem ter que ser atropelado por ela.

Na sequência, podemos fazer uma leitura silenciosa e, em seguida, a leitura tutorial.
No primeiro parágrafo, podemos instigar os alunos a verificar se o caso é realmente de uma mala ou se há outra possibilidade de sentido para o termo mala. Sugere-se discutir ainda um tom arbitrário na receptividade para com a nova professora. Podemos anotar as impressões dos alunos no quadro e depois, ao término da leitura, fazermos a discussão.

O outro passo bastante importante é o de solicitar aos alunos que encontrem no texto marcas ou frases que demonstrem a visão formada por alguns professores que acabam generalizando os alunos e achando que todos são iguais, que não existe exceções e ou que os alunos não respeitam o professor.

Apesar de tantas informações explícitas, é importante que o aluno também saiba reconhecer o que está implícito no texto, ou seja, as ideias que não se apresentam com tanta clareza, o invisível. Com relação ao texto “O sucesso da mala,” aborda-se um modelo diferente de conquistar os alunos e trazê-los para o contexto escolar. Vale ressaltar que é necessário ler com fulgor o texto para poder realmente compreendê-lo.

Assim, vamos dando continuidade à leitura, realizando perguntas aos alunos, colocando “minhoquinhas” em suas mentes, ativando os conhecimentos prévios, confirmando ou descartando aquilo que escrevemos no quadro negro antes de completarmos a leitura. No final do texto, damos um enfoque maior com relação à essência verdadeira da alma e do trabalho realizado com atitude.

Para encerrar, pedimos aos alunos um breve apanhado do entendimento que se encontra implícito no texto, do invisível, daquilo que nós inferimos juntos durante a leitura, ou seja, da imagem colocada pelos colegas da recém-chegada professora sobre o que seria a sala de aula, e da não existência de uma fórmula mágica.

Referências

BORTONI-RICARDO, S. M.; MACHADO, V. R.; CASTANHEIRA, S. F. Formação do professor como agente letrador. São Paulo: Contexto, 2010.

Crônica “O sucesso da mala”. Disponível em: revistaescola.abril.com.br/fundamental-1/sucesso-mala-634205.shtml. Acesso em 17/07/15.

http://www.todavoce.com.br/fa-de-carteirinha/historia-das-bolsas. Acesso em 17/07/15.



sábado, 11 de julho de 2015

Ensino de língua portuguesa é um fracasso

sexta-feira, 3 de julho de 2015

Troca de cartas: uma forma de estimular a escrita em sala de aula


Sugestão de postagem feita por: Franciane Lava
Autora do texto: Flávia Siqueira (Revista Língua Portuguesa. Disponível em<http://revistalingua.com.br/textos/0/troca-de-cartas-uma-forma-de-estimular-a-escrita-em-346259-1.asp. Acesso em 30 de junho de 2015).


Para quem escrevemos? Em sala de aula, muitas vezes apenas para o professor, encarregado de corrigir redações e provas. Na "vida real", no entanto, a escrita é muito mais do que a capacidade de encadear frases bem construídas - como ferramenta de diálogo e interação, ela expressa parte do que nós somos e cria uma ponte para o universo das outras pessoas. Mas como motivar a escrita no contexto escolar muito mais pela vontade do que pela obrigação? Muitos professores encontram a resposta em atividades que unem o exercício escolar à realidade fora dos muros da escola, como a troca de correspondências.
Não é difícil encontrar experiências que deram certo. Em Bariri (SP), cidade com cerca de 30 mil habitantes, a professora de língua portuguesa Meire Fiuza Canal promove as trocas entre alunos do ensino fundamental de duas escolas estaduais. Ao longo dos últimos dez anos, a professora testou vários formatos e hoje aponta o que funciona melhor: aquele que estimula de fato a curiosidade do aluno e a preocupação com o interlocutor. Por isso, trocar cartas entre estudantes de escolas ou cidades diferentes tende a dar melhores resultados do que, por exemplo, pedir que as correspondências sejam escritas para familiares, pessoas que os alunos já conhecem e que muitas vezes não participam ativamente da troca.
"O que estimula é essa possibilidade de pensar que o leitor existe", conta a professora. "Até quem não gosta ou diz que não sabe escrever bem acaba participando. É muito bom para ensinar as convenções da escrita, porque o aluno não quer escrever de forma errada para o outro. Ele tem interesse em apresentar o texto para correção do professor e, depois, em saber qual foi a reação do outro estudante à carta dele." No blog De Carta em Carta, Meire registra o dia-a-dia das atividades, apresenta reflexões e conta a história do projeto - que se tornou tema de livro e levou a professora a receber o Prêmio Professores do Brasil, criado pelo MEC, em 2009.

Redes sociais X papel

Em Minas Gerais, uma outra experiência de troca de cartas começou em 1997, com apenas quatro turmas, e hoje envolve cerca de 1,5 mil alunos de nove escolas de Belo Horizonte e cidades próximas. São, principalmente, estudantes do nono ano do ensino fundamental e do terceiro do ensino médio. A troca de cartas acontece ao longo do ano e tem como ponto alto um encontro em que todos se conhecem e realizam apresentações culturais. O projeto foi batizado de Intercâmbio Cultural BH-Jabó, em referência à capital mineira e a Jaboticatubas, as primeiras cidades envolvidas na troca de correspondências.
Para a professora Ilma Pereira Nunes Moreira, coordenadora do projeto, o principal atrativo está no mistério que a atividade envolve: nas cartas, os alunos usam pseudônimos, não trocam fotos e não revelam o local exato de onde escrevem. A atividade passou a ser desenhada dessa forma após uma experiência em que os alunos descobriram os perfis de seus pares em redes sociais - um ruído que, segundo Ilma, abalou a proposta original da atividade. Outro mérito da troca de cartas, avalia a professora, está em treinar a capacidade de esperar. "O aluno sabe que vai levar um tempo até ter uma resposta. Em meio à comunicação alucinante nos meios digitais, é muito interessante como essa proposta seduz."


É possível, entretanto, conduzir a atividade mesmo com uma comunicação paralela em redes sociais. "Não acho que atrapalhe", avalia Meire. "O aluno percebe que se trata de uma outra linguagem, que o virtual é mais um canal que pode e deve ser usado. Ele sabe que pode escrever ''pq'' no Whatsapp, por exemplo, mas que na carta deve usar ''porque''."

Acima de tudo, uma atividade pedagógica

Segundo as professoras Meire e Ilma, o docente não pode perder de vista que a atividade tem, em primeiro lugar, um propósito pedagógico: trabalhar aspectos da língua portuguesa e da construção textual. Por isso, é essencial que as cartas passem por um professor antes de serem enviadas. "Nós combinamos com os alunos que, nesse contexto, a carta é pessoal, mas não é confidencial", conta Ilma. Meire aponta que a leitura prévia do professor é importante também para evitar situações que possam causar mal-estar, como um aluno escrever xingamentos endereçados ao outro. Para que a dinâmica funcione, é preciso o comprometimento de todos os professores envolvidos.
Segundo a professora Regina Celi Pereira da Silva, da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), o sucesso desse tipo de atividade depende justamente da forma como ela é estruturada pelo docente. "É preciso sempre tomar cuidado com o artificialismo. O objetivo é tentar aproximar essas práticas ao máximo de trocas autênticas", diz a professora. Para isso, o contexto em que a atividade será realizada é muito importante - o professor precisa estar atento às diferenças entre turmas, escolas e cidades.
Regina, que pesquisa as práticas sociais de escrita, vê com bons olhos as atividades que associam o ato de escrever à sua função interativa. "Apoio práticas que busquem sair do lugar comum. A escrita perpassa tudo e é muito limitador deixá-la só naquele ''pacotinho'' da redação tradicional, que o aluno escreve apenas para que o professor corrija. A redação escolar deve ter seu espaço, mas é importante possibilitar a produção de outros gêneros."
Meire conta que, com a troca de cartas, a melhora na capacidade escrita dos alunos é visível. "Basta comparar a primeira e a última carta que o aluno escreveu no ano", diz a professora. "Além disso, percebemos um empenho maior. Casos de alunos que, por exemplo, entregam pouquíssimas das demais atividades, mas participam de toda a troca de cartas." Ilma tem a mesma percepção: "Estudantes considerados apáticos conseguem escrever duas, três páginas. O envolvimento na aula é outro".


Como estruturar a atividade?   

Não existe receita para desenhar uma atividade de troca de cartas, mas muitas vezes a experiência de outros professores pode ser útil. Veja, nos tópicos a seguir, como a professora Meire, de Bariri, organiza atualmente a atividade:
1. A professora pergunta aos alunos de uma determinada sala se eles aceitam participar da troca de cartas. Com a resposta positiva, ela convida uma sala de outra escola - pode ser tanto uma turma dela mesma quanto a de outro professor.
2. É preciso, então, listar os nomes dos alunos e definir os pares. O estudante pode escolher se corresponder com mais de um colega.
3. É hora de planejar a escrita. Normalmente, a professora apresenta a estrutura para a redação de uma carta e um roteiro de temas para que os alunos se apresentem na primeira correspondência. Os alunos começam com um rascunho da carta que pretendem enviar e depois chegam a uma redação final, apresentada à professora. Com o tempo e mais trocas, o diálogo entre os pares vai se desenvolvendo, cada um por um caminho.
4. Todas as cartas são reunidas em um pacote, que será entregue à outra sala. "É preciso tomar cuidado para não perder nenhuma carta", diz Meire.
5. Para organizar a leitura, a professora pede que os alunos leiam as cartas de resposta apenas quando todas estiverem entregues. "Nesse momento há um silêncio absoluto, em que todos estão lendo. Em seguida, é preciso conter a ansiedade - muitos alunos já querem responder -, mas a próxima etapa precisa ser planejada."
 
Fonte: 
SIQUEIRA, Flávia. Troca de cartas: uma forma de estimular a escrita em sala de aula. Revista Língua Portuguesa. Disponível em<http://revistalingua.com.br/textos/0/troca-de-cartas-uma-forma-de-estimular-a-escrita-em-346259-1.asp. Acesso em 30 de junho de 2015.