sexta-feira, 16 de maio de 2014

Novas perspectivas para o ensino de gramática

Por Cristiane Malinoski Pianaro Angelo e Loremi Loregian-Penkal

As intensas críticas, motivadas pelas pesquisas nas áreas da linguagem, ao ensino de língua materna, centrado em atividades de repetição e reconhecimento de estruturas, têm provocado um redimensionamento nas práticas escolares, favorecendo uma visão muito mais funcional da língua. Hoje, tenta-se superar a rotina tradicional em que as atividades de leitura, produção e gramática são tratadas como compartimentos estanques. Busca-se um ensino em que essas práticas se inter-relacionem de forma contextualizada para que, assim, possibilitem ao aluno o domínio das habilidades de uso da língua em situações concretas de interação. Essa abordagem requer que o foco principal das aulas de língua portuguesa seja o trabalho com a língua. Franchi (1988) aponta três atividades que podem ser desenvolvidas com a língua: atividades linguísticas, epilinguísticas e metalinguísticas.
As atividades linguísticas referem-se ao uso da língua nos processos interlocutivos. Pisciotta (2001, p. 94) lembra queo aluno chega à escola com vários anos de atividade linguística vivenciada na família e na comunidade, e as aulas de língua portuguesa deveriam incorporar esses conhecimentos para, a partir deles, prosseguir com outras atividades de fala, escuta, leitura e escrita. Sob essa perspectiva, as aulas de Língua Portuguesa devem buscar a continuidade do uso social da linguagem iniciado no convívio com a família e com os amigos.
As atividades epilinguísticas evidenciam a exercitação reflexiva sobre o funcionamento da língua. Aparecem quando o aluno experimenta novos modos de construções linguísticas, avalia a eficácia ou adequação de certas expressões no uso oral ou escrito, procura descobrir a intencionalidade implícita em textos lidos ou ouvidos, reflete sobre os diferentes recursos que a língua oferece para a construção de diferentes efeitos de sentidos. Isto pode ser evidenciado quando o aluno, diante de um texto de propaganda, por exemplo, procura questionar por que se empregam verbos no imperativo, adjetivos, pronomes de segunda pessoa; por que aparecem preferencialmente períodos simples ao invés de períodos compostos; por que o autor do texto usou uma expressão humorística, metáforas ou comparações.
As atividades metalinguísticas referem-se à sistematização e à descrição da língua através de um conjunto de elementos linguísticos próprios para se falar sobre a língua. Têm-se atividades metalinguísticas quando se exploram conceitos e classificações em exercícios como: classifique os substantivos em simples ou compostos; sublinhe os artigos definidos e circule os artigos indefinidos; copie do texto três advérbios de tempo. Consideramos que essas atividades devem ser instrumento de apoio para a discussão dos aspectos da língua que o professor seleciona no curso do ensino-aprendizagem, e não um fim em si mesmas.
Compreendemos que o estudo de qualquer conteúdo gramatical deve sersurpreendidoem seu uso, dentro do texto, pois é que ele faz sentido. A metodologia de abordagem gramatical aqui defendida parte, portanto, das atividades linguísticas e epilinguísticas, pois acreditamos que esse seja um caminho para o aluno tomar consciência sobre o funcionamento da língua e aprimorar o controle sobre a própria produção linguística.
Incluímos, nas atividades de análise e reflexão da língua, os seguintes aspectos, dentre outros:
  • o estudo das condições de produção do texto e das características específicas dos gêneros textuais. O conhecimento desses aspectos é o ponto de partida para a prática de análise linguística, pois é levando em conta o objetivo da comunicação, o interlocutor, o assunto, o gênero textual que o autor seleciona os recursos linguísticos a serem utilizados.
  • a reflexão sobre o motivo da escolha de uma forma linguística ou outra. Dessa maneira, os elementos linguísticos não serão vistos como formascongeladas, mas como recursos que se prestam à eficiência comunicativa.
  • a discussão sobre o emprego de relatores. Para que um texto se constitua como um texto, as informações devem ser “costuradas”, ou então será apenas um amontoado de frases sem sentido. Essas “costuras” são explicitamente reveladas através de marcas linguísticas, denominadas de relatores.
  • o uso de verbos. No estudo das formas verbais, será importante destacar que a escolha dos termos não é feita ao acaso, pois há sempre um interlocutor, alvo das produções, para quem o texto se destina.
  • a formulação de regras ortográficas. Ao construir e registrar com a criança as regras ortográficas, o professor estará possibilitando que ela compreenda melhor o funcionamento do sistema de escrita alfabética.
  • a ampliação do léxico. As reflexões sobre os itens lexicais do texto (como se formam as palavras, por que o autor opta por determinadas palavras) são também fundamentais, pois possibilitam que o aluno amplie o repertório de recursos linguísticos a ser utilizado nas práticas de leitura e produção de textos.
Acreditamos que o estudo dessas questões possibilitará que o aluno observe a linguagem em seu funcionamento e, desse modo, amplie o domínio sobre a sua língua, desenvolvendo novas habilidades e competências.

Referências
FRANCHI, C. Criatividade e gramática. São Paulo: SE/ CENP, 1988.
PISCIOTTA, H. Análise lingüstica: do uso para a reflexão. In: BRITO (org.) PCN’s de Língua Portuguesa: a prática na sala de aula. São Paulo: Arte & Ciência, 2001.



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