sexta-feira, 27 de junho de 2014

O ENSINO DE GRAMÁTICA, SEGUNDO LUIZ CARLOS TRAVAGLIA

Por: Rosana Taís Rossa

Ensinar gramática na escola é uma tarefa cercada por percalços. Discutir o que será pertinente ou não para nossos alunos chega a ser assustador. Porém, mais assustadoras são as regras que as crianças e adolescentes precisam “decorar” para preencher uma prova com a intenção, única e exclusiva, de obter nota. 

Para nós, professores em formação, é indispensável compreender qual metodologia é mais adequada para levar ao conhecimento dos alunos ensinamentos tão complexos. Mas é preciso ter cuidado ao desenvolver práticas de ensino inovadoras, pois, muitas vezes, ao tentarmos inovar acabamos complicando ainda mais o processo de ensino ̸ aprendizagem de gramática.

Luiz Carlos Travaglia, em seu livro, Gramática e interação: uma proposta para o ensino de gramática no 1º e 2º graus nos apresenta algumas concepções que são de extrema relevância para nossa compreensão de gramática, tal como sua discussão em sala de aula. Um dos primeiros pontos destacados por ele é que um professor não pode trabalhar com esse conteúdo sem conhecê-lo completamente. Compreender a estrutura da língua, a história que a constituiu, variantes linguísticas e contextos sociais é indispensável para a articulação do discurso do docente, o que torna essa prática mais espontânea, orientando o estudo das normas para um viés que abarca outros aspectos, sejam eles sociais, culturais e históricos. 

Outro ponto levantado por Travaglia, e que devemos aderir em nossa prática, é compreender que a finalidade de ensinar gramática é desenvolver a competência comunicativa dos falantes. Isso não significa que quem não conhece as regras e nomenclaturas da Língua Portuguesa não sabe falar, mas é evidente que a habilidade de empregar a linguagem em seus diferentes contextos é comprometida. O autor nos traz ainda algumas concepções errôneas de linguagem, as quais devemos observar atentamente para não cometermos equívocos na hora de avaliarmos nossos alunos. A primeira concepção que Travaglia nos apresenta é a de que a linguagem é a expressão do pensamento, o que significa, segundo essa visão, que os indivíduos com dificuldades de expressão não pensam. É importante que tenhamos cuidado ao fazer esse tipo de consideração ao lermos um texto escrito por nossos alunos, tendo em vista que devemos levar muitos outros aspectos em consideração. 

Outra concepção de linguagem trazida à baila pelo autor é a da língua apenas como instrumento de comunicação, o que designa o falante apenas a reproduzir uma mensagem e o ouvinte a recebê-la. Essa é uma situação delicada e muito presente na escola. O professor é tido como o único ser inteligente e capaz de ensinar, enquanto o aluno é deixado de lado, como um sujeito passivo, que nada tem a contribuir nas aulas. 

A terceira concepção que nos é exposta é a da linguagem como forma de interação, que se constitui na percepção de língua como um sistema que permite a ação, o diálogo. Nesse modelo, é compreendida a existência de interlocutores, que agem dialogicamente, sendo que um fala, o outro responde, um questiona, outro explica e assim por diante. 

Ao analisarmos as três formas de se ver a linguagem, percebemos que a última é a mais pertinente e é a que devemos empregar em nossas aulas. Entender que o aluno tem direito de participar, questionar, criticar, concordar ou não com o que estamos falando e se, porventura, ele não apresenta condições para isso é nosso dever oferecer a ele essas condições, afinal, a principal função do profissional de ensino é formar cidadãos críticos e capazes de analisar e avaliar o que os cerca.

Pensando no ensino de gramática, Travaglia nos traz ainda as três formas de ensiná-la na escola. O primeiro tipo de ensino é o prescritivo, que busca apenas ditar o certo e o errado na escrita do português. Esse ensino é trazido para os alunos e lhes lançado “goela abaixo”, destruindo toda e qualquer possibilidade dos alunos gostarem e buscarem compreender sua própria língua. O outro tipo de ensino de gramática é o descritivo, que consiste em apresentar ao aluno a estrutura da língua, seus componentes e sua função. Nesse modelo, vemos que existe uma valorização do estudo das variedades linguísticas, sendo que aqui, elas são descritas da mesma forma que a língua culta.

  Por fim, temos o ensino produtivo, que é o mais pertinente para nossa prática docente, pois consiste na ampliação das habilidades que o aluno tem de aplicar a língua em qualquer contexto. Assim, o aluno desenvolve capacidades extras, tendo maior facilidade em se comunicar de forma eficiente,  o que representa nosso maior desafio como professores, que é preparar os alunos para adequarem sua linguagem ao contexto em que se encontram no momento da enunciação. 

Outro ponto discutido por Travaglia é a variação linguística e suas implicações no ensino de Língua Portuguesa. Consideramos que esse estudo é de imensa importância na sala de aula e devemos incluí-lo em nossos planos de aula. Trazer para os alunos as diferentes formas que determinadas palavras apresentam em lugares diferentes do Brasil, assim como colocar frente a frente a língua culta e a coloquial, desperta a curiosidade desses indivíduos para conhecerem as peculiaridades da própria língua, bem como os percalços que podemos encontrar para nos comunicar com outros falantes da nossa língua. Para promover essas discussões, existe uma infinidade de material disponível como músicas, contos, crônicas, piadas e outros textos que podem ser levados para a sala a fim de discutir o assunto.

Levando em consideração tudo o que foi dito no livro em questão concluímos, o que já era sabido, que o sistema de ensino de português está limitado à imposição da gramática normativa. Muitas são as possibilidades discutidas por Travaglia, como a gramática reflexiva, que visa esclarecer para o aluno os empregos que ele realiza de forma inconsciente e permitir que ele perceba como se dão esses processos, sendo que esse modelo está atrelado ao ensino produtivo de língua, já que através dessa reflexão o aluno é levado a construir novas formas e desenvolver outras habilidades linguísticas. 

Então, nos perguntamos: por que permanecermos presos a um sistema tradicional que tem por objetivo fazer com que os alunos memorizem formas e nomes de classes gramaticais, quando temos a possibilidade de oferecer a eles uma outra visão da própria língua, um manuseio dela de forma realmente pertinente? 


REFERÊNCIA:
TRAVAGLIA, Luiz Carlos. Gramática e interação: uma proposta para o ensino de gramática no 1º e 2º graus. 4ª ed. São Paulo: Cortez, 1998. 

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