sexta-feira, 29 de agosto de 2014

O gênero discursivo "carta" em sala de aula

Por: Rosana Taís Rossa

Embora atualmente diga-se que a carta é ultrapassada, que ninguém mais a utiliza ou é inadequada para as situações cotidianas, bem sabemos que ela ainda circula pelas diversas esferas sociais. Como exemplo podemos imaginar uma situação de trabalho, em que um excelente funcionário muda-se de cidade e precisa encontrar um novo emprego. Seu chefe escreve uma carta de recomendação, informando aos possíveis contratadores que o funcionário é eficiente e tem perfeitas condições de desempenhar determinada função. 

Neste caso, a carta cabe perfeitamente, já que pode ser carregada em mãos por todas as empresas pelas quais o candidato à vaga passar, sendo possível, ainda, que seja anexada ao currículo. Com isso, observamos que esse gênero não deve ser lançado ao esquecimento, mas sim estudado em conjunto com o gênero discursivo e-mail, que é hoje bastante utilizado e apresenta funções bem parecidas com a carta.

Tomando como base o trabalho com gêneros discursivos, entendemos que um texto deve ser analisado em sua totalidade, abordando todos os seus elementos. Por isso, é importante que o professor explore aspectos que vão desde a identificação do autor, interlocutor e finalidade até as condições de produção, circulação e linguagem. Com uma explanação detalhada, que dê conta de apresentar o gênero, seus componentes e seu histórico, é possível que o professor solicite a produção textual aos alunos. Também deve-se levar em conta o trabalho de análise linguística que necessita ser realizado, pois é preciso trabalhar, entre outros, a linguagem empregada, termos específicos, escolha lexical, pronomes de tratamento e vocativo.

Considerando essa variedade de abordagens com que a carta pode ser estudada, sugerimos uma atividade que atente para os problemas sociais que enfrentamos e a construção de um texto pertencente ao gênero estudado. Refletindo sobre a finalidade do texto, o encaminhamento da carta para um interlocutor fora da escola é fundamental para que o aluno atente mais para sua escrita. 

Texto base para a atividade: 
DA SUA NATUREZA – LUÍS FERNANDO VERÍSSIMO

Sorte nossa que as árvores não gemam e os animais não falem. Imagine se cada vez que se aproximasse uma motosserra as árvores começassem a gritar “Ai, ai, ai!” e aos bois não faltassem argumentos razoáveis para não querer entrar no matadouro. 
Imagine porcos parlamentando em causa própria, galinhas bem articuladas reivindicando sua participação na renda dos ovos e gritando slogans contra o hábito bárbaro de comê-las, pássaros engaiolados fazendo discursos inflamados pela liberdade.
Os únicos bichos que falam são os papagaios, mas até hoje não se tem notícia de um que defendesse os direitos dos outros. Papagaio tem voz, mas não tem consciência de classe.   
A vida humana seria difícil se não pudéssemos colher uma beterraba sem ouvir as lamentações da sua família e insultos do resto da horta. Não deixaríamos de comer, claro. Nem beterrabas, nem bois ou galinhas, apesar dos seus protestos. 
Mas o remorso, e uma correta noção da prepotência inerente à condição da espécie dominante, faria parte da nossa dieta. Teríamos uma ideia mais exata da nossa crueldade indispensável, sem a qual não viveríamos. Sorte nossa que os vegetais e os animais não têm nem uma linguagem, quanto mais um discurso organizado. Não os comeríamos com a mesma empáfia se tivessem.
O único consolo deles é que também padecemos da falta de comunicação: ainda não encontramos um jeito de negociar com os germes, convencer os vírus a nos pouparem com retórica e dar remorso em epidemias. 
Eu às vezes fico pensando como seria se os brasileiros falassem. Se protestassem contra o que lhes fazem, se fizessem discursos indignados em todas as filas de matadouros, se cobrassem com veemência uma participação em tudo o que produzem para enriquecer os outros, reagissem a todas as mentiras que lhes dizem, reclamassem tudo que lhes foi negado e sonegado e se negassem a continuar sendo devorados, rotineiramente, em silêncio. 
Não é da sua natureza, eu sei, só estou especulando. Ainda seriam dominados por quem domina a linguagem e, além de tudo, sabe que fala mais alto o que nem boca tem, o dinheiro. Mas pelo menos não os comeriam com a mesma empáfia.

Proposta de produção:
Após a leitura do texto "Da sua natureza", de Luís Fernando Veríssimo, peça aos alunos que escrevam uma carta para o prefeito de sua cidade com o intuito de pedir investimentos em alguma melhoria que eles considerem necessária para seu município. Posteriormente à leitura do texto produzido pelos alunos, solicite que eles reescrevam a carta em papel apropriado fazendo as alterações propostas e coloquem em um envelope que deve ser preenchido com os dados necessários. Depois a carta será encaminhada ao prefeito.

*É interessante que seja feita, primeiramente, a leitura silenciosa do texto "Da sua natureza" e depois o professor organize a leitura compartilhada, em que cada aluno lê um parágrafo. 

Referência:
Crônica “Da sua natureza” de Luís Fernando Veríssimo disponível em: http://www.materiaincognita.com.br/da-sua-natureza-a-linguagem-na-cronica-de-verissimo/#ixzz30xCORb Pd. Acesso em: 07 de maio de 2014. 

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