sexta-feira, 10 de abril de 2015

Ensinar, educar ou transformar: qual é a principal função do professor?

Por: Rosana Taís Rossa


É difícil enumerar as tarefas que um professor exerce dentro da sala de aula: pai, advogado, conselheiro, segurança, pacificador, psicólogo, fonoaudiólogo e amigo. Essas são algumas das atribuições dadas diariamente aos profissionais de ensino, aqueles que se dedicam e oferecem suas próprias vidas para mudar outras e mostrar novos caminhos. Mas se tem uma habilidade que o professor pode exercitar com todo o coração é a inspiração. 

Em O sorriso de Mona Lisa, filme americano de 2002, a recém-formada professora Katharine Watson emprega-se em um colégio para meninas extremamente conservador. Por intermédio das aulas de “História da arte”, ela percebe que seu maior desafio não será transmitir conhecimento sobre arte, mas sim abrir os olhos das alunas para o mundo e fazê-las enxergar além das aparências. 




Já na primeira aula, a professora se surpreende com a facilidade das alunas para reconhecerem as obras que ela expõe nos slides e fica perplexa com a forma com que elas interpretam o conteúdo do livro didático. Apesar de a apostila permitir que as alunas tenham uma prévia da aula, ela faz com que elas se prendam ao que está escrito ali, como se aquela fosse uma verdade absoluta e sem possibilidade de discussão. 

Embora todas sejam inteligentes e tenham bastante facilidade para aprender, elas não têm desenvolvida a capacidade de criticar e questionar o que lhes é exposto. É possível perceber que essa escassez de criticidade e voz própria estende-se também para fora da sala de aula. Aquelas moças vivem em prol de um 'casamento dos sonhos' e das atividades domésticas, como se essas fossem as únicas atividades que pudessem exercer. 

Os demais professores do colégio não parecem se importar com a real formação das alunas, o que eles fazem questão de defender são os princípios e valores impostos pelas famílias das moças, que acompanham de perto os conteúdos discutidos e todos os assuntos que dizem respeito a elas e a seu comportamento, no intuito de engessar e manter as já costumeiras aulas de boas maneiras. 

Uma das colegas de quarto da professora Watson, Amanda, a alerta sobre as dificuldades que ela enfrentará e diz que ela não deverá demonstrar quando estiver frustrada com as aulas, como se a frustração fosse obrigatória e inevitável. Outra colega de profissão a vê espiando a turma antes de entrar na sala e fala para ela que as alunas sentem de longe o medo e é para ela evitar transparecer o receio que a está dominando. Com todos esses comentários negativos, ela percebe que exercer seu ofício será mais trabalhoso do que imaginava. 

O que torna o filme O sorriso de Mona Lisa ainda mais interessante e digno de atenção é a forma como ele aborda o contexto em que a escola estava inserida. Em uma época em que os ideais de casamento e maternidade eram supervalorizados e as mulheres não tinham liberdade para escolher outro caminho, abrem-se as portas para a libertação. Embora fosse clara a intervenção da família na educação das filhas, assim como a conivência da diretoria da escola com as políticas opressoras, com a chegada da nova professora tudo mudou e as mulheres perceberam que elas poderiam, sim, seguir outro caminho. 

Os dirigentes do colégio se mostraram bastante resistentes quanto à metodologia da professora e impuseram que ela seguisse apenas os conteúdos programados por toda a junta docente. No entanto, ela buscou formas de incrementar os assuntos e abordar outros temas, a fim de propiciar reflexões mais intensas sobre o dia a dia das alunas. Essa realidade é bastante presente ainda hoje, quando somos instruídos a seguir uma linha de pensamento apresentada nos livros e apostilas didáticas. 

Poucas vezes os professores encontram aberturas em suas aulas para desenvolverem práticas dinâmicas e que acrescentem valores a seus alunos. Ficamos muito presos aos conteúdos didáticos e esquecemos (ou nos fazem esquecer) que nosso dever é bem maior do que formá-los como profissionais. É preciso formar indivíduos pensantes e que fazem escolhas responsáveis em suas vidas. 

Nesse filme podemos observar que a preocupação da docente foi além do âmbito escolar e se estendeu até os possíveis caminhos para a universidade. Quando uma das alunas demonstra interesse pelo curso de Direito, por exemplo, a professora investiga universidades que admitem mulheres e leva para a aluna uma ficha de inscrição. A menina é aceita, mas como ela optou pelo casamento, deixou de lado seu sonho profissional duvidando que fosse possível conciliar os dois afazeres. 

Mesmo com todos os esforços de Katharine Watson, o colégio conservador continuou perseguindo os métodos adotados por ela. Por isso, ela tomou uma decisão drástica, mostrou para as alunas o que elas queriam ver: a mulher como objeto de decoração dentro de casa. 

Valendo-se de imagens, ela apresentou para a turma o que as mulheres que viriam depois delas veriam. As jovens ficaram perplexas, porque mesmo sabendo quem elas eram dentro do lar e o que as famílias esperavam delas, era difícil aceitar que não passavam de meras marionetes, manipuladas pela sociedade e pela educação tradicionalista que recebiam. Sua única e exclusiva função na vida era casar, limpar a casa, ter filhos e deveria viver apenas para isso. 

Quando as meninas perceberam que havia um mundo além do casulo, elas passaram a relacionar os conteúdos discutidos pela professora com situações do seu cotidiano e, aos
poucos, o efeito transformador de uma professora em ação dentro da sala de aula foi tomando os corredores da escola. Seguindo seu exemplo de independência, as alunas passaram a valorizar as oportunidades de se tornarem mulheres bem sucedidas em qualquer ambiente. Elas finalmente perceberam, por meio da metodologia da docente, que a mudança estava nelas mesmas e que poderiam ir além do que imaginavam inicialmente.

Assim, a professora recebeu o merecido reconhecimento e foi amada e valorizada, tanto no conteúdo didático como nas práticas que influenciou. Katharine não apenas ensinou para aquelas garotas, mas transformou o pensamento de toda uma geração, fazendo com que reconhecessem seu potencial e acreditassem nele. 

Esse exemplo deve ser seguido também por nós, já que muitos alunos não reconhecem a capacidade que têm de se tornarem cidadãos conscientes e participantes das melhorias no lugar em que estão. É nossa missão ensiná-los, abrir suas mentes e apresentar os horizontes. 

Porém, nosso maior dever é inspirá-los, para que a partir das nossas atitudes eles queiram viver em outra realidade. 

Referência: 

Filme: O sorriso de Mona Lisa. Direção: Mike Newell. Produção:  Mark Rosenthal e Lawrence Konner. Estados Unidos: Columbia Pictures do Brasil, 2002.

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