sexta-feira, 8 de maio de 2015

Paraná: Estado democrático de direito?

Por: Lorena Reck Portela Rebesco

Após a propositura dos projetos de Lei nº 6/2015, 60/2015 e 252/2015 junto à Assembleia Legislativa do Estado do Paraná (Alep), muito se tem ouvido falar sobre previdência. De um lado os servidores públicos temem ficar sem a sua aposentadoria, de outro a base do governo diz que a medida é necessária e que não há qualquer risco para os servidores.
O fato é que o projeto deveria ter uma discussão mais ampla, até porque a maioria da população sequer entende muito bem o que é previdência e quais são os regimes previdenciários existentes no país.
A previdência é um fundo onde os trabalhadores e empregadores depositam mensalmente uma quantia. O saldo depositado pode ser utilizado para vários fins, o mais comum é a aposentadoria por idade, quando os trabalhadores de uma determinada faixa etária mais avançada já não precisam mais trabalhar, mas continuam recebendo seus proventos. O fundo arrecadado também pode ser utilizado para o pagamento de licença maternidade, auxílio doença, aposentadoria por invalidez etc.
Cada classe de trabalhadores tem um regime que regulamenta sua previdência. Os trabalhadores regidos pela CLT (Consolidação das Leis do Trabalho), em regra, seguem o regime do INSS (Instituto Nacional de Seguridade Social). Os servidores federais seguem as normas estabelecidas na Lei 8.112/1990. Já os servidores do Paraná obedecem às normas previstas na Lei 6.174/1970.
Com a falência do antigo IPE (Instituto de Previdência do Estado) e com a intenção de melhor administrar a previdência pública do Paraná, em 1998 criou-se a Paranaprevidência, sob a concepção do engenheiro Renato Follador. Na época os recursos foram repartidos em dois fundos.
O primeiro, chamado fundo de previdência, ficou responsável por recolher e pagar os benefícios dos servidores novos, que na época estavam ingressando no serviço público, e também dos ativos que, na data da publicação da lei (1998), contavam com até 50 anos, no caso dos homens, e até 45 anos, no caso das mulheres.
Ao segundo, denominado fundo financeiro, cabia o pagamento dos funcionários inativos e dos que, embora em atividade, tivessem idade superior a 50 e 45 anos (homens e mulheres, respectivamente).
A referida lei instituidora da Paranaprevidência também determinou que o saldo do fundo previdenciário só poderia ser movimentado em 2033, quando, então, se tornaria auto suficiente. Como este fundo reuniria servidores mais novos, ainda não aposentados, ele poderia se capitalizar ao longo dos anos para, no futuro, honrar o pagamento das aposentadorias com seus próprios recursos.
Enquanto isso, o fundo financeiro, marcado por um forte déficit, seria mantido com aportes mensais do governo do Estado até que o último benefício fosse pago ao último servidor, quando então ocorreria a extinção desse fundo.
Contudo, o descontrole na gestão do Estado levou o governador Carlos Alberto Richa, no início do ano, a tentar reformar a previdência mediante a propositura dos Projetos de Lei nº 06/2015 e 60/2015. É que com a crise financeira estadual, não havia dinheiro suficiente para pagar os servidores que recebiam seus proventos do fundo financeiro (deficitário). O então projeto visava unir os dois fundos, e os oito bilhões depositados no fundo previdenciário (superavitário) poderiam ser utilizados para pagar todos os benefícios dos servidores do Estado.
Descontentes com a reforma, os servidores do Paraná saíram às ruas em protesto. No dia 10/02/2015 os deputados da base aliada, com medo dos funcionários públicos, tiveram que entrar na Alep em um camburão. Como a votação do projeto não foi suspensa, manifestantes invadiram a Alep em 10/02/2015 e o restante da categoria entrou em greve.

                        Invasão da Alep em 10/02/2015


Após intenso esforço, e com a ajuda do judiciário, firmou-se um acordo, por meio do qual o governo se comprometeu a deixar a previdência da forma como estava. E caso viesse a propor um novo projeto de lei sobre a questão, haveria um amplo debate, com a participação dos sindicatos, do Ministério Público, do Poder Judiciário e do Tribunal de Contas.
Contudo, pouco mais de um mês após a assinatura do referido acordo judicial, a base aliada do governo apresentou um novo projeto, sob nº 252/2015, a ser votado pelo regime de urgência, ou seja, o mais rápido possível. O objetivo era repassar para o fundo previdenciário 33 mil servidores com 73 anos ou mais. Isso aliviaria o Fundo Financeiro em uns R$ 140 milhões por mês, e o governo economizaria esse dinheiro.
É claro que os servidores entraram novamente em greve e foram às ruas quando o projeto estava na iminência de ser votado. Mais uma vez tentou-se ocupar a Alep, contudo, o governo já havia colocado no Centro Cívico mais de 1.600 policiais militares, juntamente com a tropa de choque. O confronto resultou em um massacre, com mais de 230 professores e estudantes feridos, e na aprovação de um projeto onde não houve a observância de preceitos constitucionais fundamentais.



                               Professores e alunos feridos após o massacre do dia 29/05/2015



Durante a deliberação e votação do projeto, os maiores interessados não puderam comparecer, de modo que essa omissão violou o artigo 10 da Constituição Federal, segundo o qual é “assegurada a participação dos trabalhadores e empregadores nos colegiados dos órgãos públicos em que seus interesses profissionais ou previdenciários sejam objeto de discussão e deliberação”.
Além disso, um projeto dessa complexidade jamais poderia ser votado em regime de urgência, mas sim pelo procedimento ordinário, respeitando-se a deliberação, utilização de recursos, emendas e a participação da população. O regime de urgência é incompatível com o “amplo debate” assegurado no acordo judicial celebrado após a primeira greve.
Com relação ao mérito do projeto, ou seja, para se chegar-se a uma conclusão dos pontos positivos ou negativos, seria necessário um estudo mais aprofundado, o que demandaria mais tempo de discussão. A princípio, o próprio criador da Paraná Previdência, Renato Follador, já declarou que com a mudança “abandona-se o financiamento por capitalização, pelo qual haveria recursos para pagar aposentadorias até a morte de todos os servidores do Fundo Previdenciário. No lugar, entra o princípio da solvência atuarial: um determinado número de anos em que haverá recursos para pagar as aposentadorias daquele grupo (...) com a nova lei esgotará seus recursos em uns 30 anos. O governo usou dinheiro de longo prazo dos servidores para pagar despesas de curto prazo”.

                               Renato Follador: criador da Paraná Previdência


O desfecho desse conflito é aguardado com muita angústia, não apenas por parte dos servidores, mas também pelos cidadãos de uma nação que teve seus princípios constitucionais fundamentais ultrajados e desrespeitados, princípios estes conquistados com muita luta e a custa de muitas vidas.


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