sábado, 24 de outubro de 2015

Como trabalhar variação linguística em sala de aula?

Por: Rosana Taís Rossa

Os tempos mudaram e, consequentemente, nossa linguagem também. Quando paramos para observar a correria que circunda nosso cotidiano, vemos que a rapidez com que as coisas acontecem se estende para todas as instâncias. Os tentáculos da pressa abraçam tudo, inclusive nossos atos de fala. A necessidade de comunicar, convencer, explicar, questionar e criticar exige esperteza e rapidez.

Se sabemos que a linguagem é a forma que o ser humano tem para existir no mundo, fica claro o quão importante é que ele se comunique. Esse falar sofre grande variação linguística, como ocorre com o apagamento dorfinal dos verbos no infinitivo. 

Mas como trabalhar esse fenômeno na sala de aula? Talvez essa seja a pergunta de muitos professores de língua materna. Como trabalhar a dicotomia fala e escrita valorizando cada modalidade e explorando seus recursos? Acerca desse ponto, Bortoni-Ricardo esclarece que

Língua escrita é uma coisa, língua falada é outra. Ninguém fala como escreve, exceto em algumas situações em que a formalidade exija um alto grau de monitoramento ou cuidado, e vice-versa, ou seja, ninguém escreve como fala, a não ser em situações de muita informalidade. Fala e escrita têm funções e usos diferentes na sociedade. (BORTONI-RICARDO, 2015, p. 163)

A letra de música sempre foi um recurso interessante para explorar os recursos linguísticos. Podem-se desenvolver práticas muito produtivas a partir desse gênero discursivo, desde que selecionemos os materiais adequados.

Um dos maiores sucessos do cantor Gilberto Gil,Andar com , traz dois exemplos que podem ser estudados como variação linguística. A música começa comAndar com eu vou / Que a não costuma faiá. Essa construção retrata o linguajar interiorano, falado em vários lugares do país. É interessante levar aos alunos a música para que eles ouçam e observem se alguma coisa estranha. Quando eles identificarem a palavra e a classificarem comoerrada, o professor pode interferir e fazer considerações sobre o preconceito linguístico e as variantes regionais.

Em outros momentos da música, o cantor repete a construção , uma simplificação fonética de estáQue a na mulher / A na cobra coral. A partir desse exemplo, podem-se abordar outras ocorrências desse fenômeno, como o caso do vossa mercê.
Pensando no Ensino Fundamental, é possível trabalhar com gêneros discursivos muito interessantes, como a tirinha e a charge. Nesses textos podemos explorar diversos aspectos linguísticos, principalmente de variação. Na tira do Chico Bento, por exemplo, podem-se promover reflexões com os alunos através de perguntas de leitura.




Entre estas, podemos citar:

1. Você percebeu alguma coisa diferente na tirinha do Chico Bento? O quê?
2. O que você achou da linguagem empregada pelo personagem Zé Lelé no primeiro quadro da tira?
3. Você já ouviu alguém utilizar os termos “vo” e “tirá” durante uma conversa? E na escrita, você já viu?
4. O que provoca o efeito de riso na tirinha?
5. Você acha certo falar e escrever como o personagem do texto? Se não, onde está o equívoco na fala do personagem?

Acerca da linguagem formal e informal, uma proposta bacana é escrever no quadro uma sentença quase incompreensível, como Excelentíssima senhora minha mãe, vossa excelência me concederia a graça de realizar o magnífico favor de passar a ferro meu traje apropriado para me dirigir à instituição de ensino que frequento? e a partir dela fazer as seguintes perguntas de leitura:

1. O que significa essa frase? Você teve facilidade para interpretar a mensagem?
2. Quem é o interlocutor desse texto?
3. Você usaria uma frase como essa em casa? Como você falaria?
4. Qual é o favor que o filho está pedindo pra mãe?
5. Com quem você utilizaria esses termos?
6. Você já conversou com alguma pessoa e usou essa linguagem?
7. Essa é uma linguagem formal ou informal?
8. Ela é certa ou errada?

Por fim, como mais uma proposta de trabalho com a adequação linguística o professor pode valer-se do texto a seguir e explorar as mesmas perguntas de leitura feitas anteriormente.



São perfeitamente praticáveis essas atividades com gêneros variados para o trabalho com variação linguística. Se o professor tiver disposição e interesse é possível que ele desenvolva práticas muito positivas na abordagem das variações linguísticas.

Referências

BORTONI-RICARDO, Stella Maris. Por que a escola não ensina gramática assim? 1 ed. São Paulo: Parábola Editorial, 2014.


Música Andar com , de Gilberto Gil, disponível em: http://www.vagalume.com.br/gilberto-gil/andar-com-fe.html

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