sábado, 2 de janeiro de 2016

Análise linguística: opção ou necessidade?

Por: Rosana Taís Rossa

Não é recente a concepção de aula de português como forma de ampliar os conhecimentos dos falantes e orientá-los a adequar seus discursos à situação comunicativa. No entanto, ainda é possível observar que existe uma grande dificuldade em mudar o foco do estudo da língua para questões que impliquem no progresso da escrita e em melhorias no posicionamento crítico do sujeito perante as diversas situações que o circundam.



Souza (2015) discute em seu texto as concepções de diversos autores sobre o enfoque dado à gramática normativa nas aulas de língua portuguesa. Além de conteúdos “enfadonhos”, como a autora bem cita, há ainda o reflexo no vestibular. A cada ano, o número de redações zeradas nas provas seletivas reforça a afirmação de que o trabalho da escola não está ocorrendo a contento.

É importante reiterar, assim como Souza o faz, que as regras gramaticais não precisam, e nem podem, ser excluídas da escola. Elas são tão importantes como qualquer outro conteúdo e o que se espera, todavia, é que sejam revisitadas sua finalidade e abordagem, de forma que o aluno perceba qual é o sentido da gramática e de que forma ela contribui na construção de textos orais e escritos.

O termo “análise linguística”, de acordo com Souza, foi cunhado por Geraldi em 2003 e diz respeito ao estudo da gramática por meio da leitura e da produção textual dos alunos. Ou seja, a partir de textos lidos, discutidos e produzidos dentro de sala de aula, em situações o mais reais possíveis, é que os elementos gramaticais vão sendo explorados, permitindo que os discentes percebam os reais empregos das regras. Deixa-se de lado, portanto, as frases isoladas que por tanto tempo foram discutidas à exaustão.

Muniz e Raupp (2015) listam alguns itens, citados por Mendonça (2006), sobre as diferenças entre gramática normativa e análise linguística. Dentre estes, podemos destacar um que é de extrema relevância para o trabalho em sala de aula: enquanto na gramática normativa o foco está inteiramente na palavra, frase ou período, na análise linguística o objeto de estudo é o texto.

A partir do estudo do texto como um todo, fica mais fácil perceber de que forma as partes se organizam, formando um conjunto de elementos cruciais para a compreensão do texto. Dessa forma, os indivíduos percebem a real função de determinada classe gramatical, das regras de acentuação e pontuação e da temida regência.

Referências:

MUNIZ, Vanessa Christine; RAUPP, Eliane Santos. Ensino de Gramática ou Análise Linguística? Será que essa escolha é necessária? Disponível em: http://sites.uepg.br/conex/anais/artigos/282-1582-1-DR-mod.pdf. Acesso em 23 de dez de 2015.

SOUZA, Sirlene Barbosa de. Ensino de Análise Lingüística: O que é mesmo? Como se faz? Disponível em: http://alb.com.br/arquivo-morto/edicoes_anteriores/anais17/txtcompletos/sem13/COLE_3868.pdf. Acesso em 23 de dez de 2015.



sábado, 26 de dezembro de 2015

A importância do trabalho de análise linguística na formação de uma sociedade mais isonômica e justa

Por: Lorena Reck Portela Rebesco

Muito se tem discutido sobre o que deve ser trabalhado nas aulas de português do ensino fundamental e médio. De um lado, professores mais tradicionais que defendem o ensino da gramática, também conhecida como estudos metalinguísticos, ou seja, um trabalho que consiste em dar nomes e estabelecer conceitos para cada fenômeno da língua, como, por exemplo, o que é um substantivo, adjetivo, pronome, etc., e qual a função de cada um desses elementos na frase. De outro lado, temos linguistas que acreditam que, antes de tudo, é essencial que o aluno domine a língua efetivamente, que ele saiba compreender o sentido do que ou ouve e consiga, também, transmitir seu pensamento a outras pessoas de maneira eficaz.
Cabe registrar ainda que, no ensino da metalinguagem, o professor analisa palavras isoladas de um texto, e seu objetivo, em geral, é corrigir erros de ortografia. Na análise linguística, o objeto de estudo são textos, analisados em sua completude, para muito além da grafia correta das palavras. São priorizadas, entre outras características, a coerência, coesão, clareza, adequação do gênero e objetividade das produções textuais.
A crise educacional nos mostrou que insistir em uma educação restrita a práticas metalinguísticas é insistir em um trabalho inócuo, que não tem rendido bons frutos. Prova disto é a quantidade de analfabetos funcionais, que decodificam as palavras de um texto, mas não compreendem a mensagem nele contida. Por isso, é importante que cada vez mais professores desenvolvam trabalhos em sala de aula voltados para análise linguística, mesmo porque tal prática está prevista e é recomendada pelas Diretrizes Curriculares de nosso estado (PARANÁ, 2008). Contudo, surgem muitas dúvidas: como trabalhar análise linguística em sala de aula? Quais são as atividades que podem ser desenvolvidas com essa finalidade? Afinal, a maioria dos livros didáticos ainda prioriza o ensino baseado na metalinguagem. E o trabalho com a análise linguística é muito mais complexo, pois não é algo estático, como a memorização de nomenclatura ou regras gramaticais.
Muito longe de tentar elencar as principais formas de se trabalhar esse assunto em sala de aula, mesmo porque muito ainda a ser descoberto nessa área, sugerem-se a seguir algumas práticas interessantes compartilhadas nos trabalhos de Geraldi (2003) e Antunes (2007). Em primeiro lugar, o professor precisa trabalhar a leitura e escrita de textos como práticas sociais significativas e integradas em vez de exercícios estruturais de gramática (normativa e teórica). Ele deve desenvolver mecanismos para que os alunos saibam fazer uso adequado da língua conforme a situação sócio-interativa e conforme o gênero textual exigido para determinada situação.
Isso não implica o abandono total da gramática, mesmo porque ela é necessária. O docente pode e deve ensinar regras de pontuação, grafia correta das palavras, maiúsculas, segmentação de palavras, frases e parágrafos, etc, mas tudo isso por meio de atividades de linguagem. Segundo Antunes (2007), deve ser realizada muita leitura/releitura, de reflexão e operação sobre a linguagem (reescrita de textos, reestruturação de frases e parágrafos).
O que podemos concluir é que o trabalho com a análise linguística nas aulas de português exige do professor maior dedicação e tempo, contudo, acreditamos que esse trabalho renderá bons frutos, não apenas na esfera escolar, mais principalmente na sociedade. Pois a partir do momento que todas as pessoas conseguirem efetivamente ler, interpretar e interagir com o mundo a sua volta (seja ao contratar algo, ler uma notícia, reivindicar um direito, manifestar uma crença, etc.), certamente nos tornaremos, todos nós, cidadãos mais comprometidos com a construção de uma sociedade mais isonômica e justa.

Referências:

ANTUNES, I. Muito além da gramática: por um ensino de línguas sem pedras no caminho. São Paulo: Parábola editorial, 2007.

GERALDI, J. W. Concepções de linguagem e ensino de português. In: GERALDI, J. W. (org.). O texto na sala de aula. 4 ed. São Paulo: Ática, 2003, p. 39-46.





sábado, 19 de dezembro de 2015

GÊNERO NOTÍCIA EM SALA DE AULA: UM RELATO DE EXPERIÊNCIA

Por: Ana Caroline dos Santos 

Desde a criação das primeiras escolas até a obrigatoriedade da inserção de alunos no ensino fundamental e médio, muita coisa mudou. O perfil dos estudantes de hoje é diferente do perfil daqueles que estudaram em épocas anteriores.
Em virtude disso, em 1998, surgiram os Parâmetros Curriculares NacionaisPCNs, que dão respaldo para que o professor trabalhe com uma concepção que conta das reais necessidades dos indivíduos. Esse documento pontua muitos aspectos relevantes, como a indispensabilidade de adaptar os conteúdos para a realidade social dos indivíduos. Também, é salientada a importância de não isolar leitura, literatura, gramática e produção textual; é de extrema necessidade que essas áreas do saber dialoguem no processo educativo. Ao longo dos PCN, são expostas formas de apresentar esses diferentes campos do conhecimento; os estudos da gramática, por exemplo, não podem ser inócuos, presos a mera nomenclatura, mas precisam ser abordados como um recurso de interpretação, compreensão e produção textual.
No Estado do Paraná, em 2008, foram elaboradas as Diretrizes Curriculares EstaduaisDCE, que dão ênfase às especificidades da leitura, oralidade, escrita, gramática e literatura; em cada uma dessas áreas são destacadas quais metodologias são adequadas para dar subsídios aos discentes para que reflitam e, dessa forma, sejam sujeitos mais críticos. No decorrer dessa proposta, é elucidada a importância de abordar atividades a partir dos gêneros discursivos, que são tipos relativamente estáveis de enunciados (BAKHTIN, 1997), adquiridos no processo de interação, ou seja, nos grupos sociais, que criam esses gêneros e os utilizam com a finalidade de comunicar, persuadir, informar, agir sobre o interlocutor, entre outras intenções.
Bakhtin (1997) postula que a vida humana é alicerçada nos mais diversos contextos de comunicação. E pontua que o uso da língua se concretiza por meio de enunciados (falados e escritos) criados devido à necessidade de uma comunidade. Em virtude disso, a quantidade de gêneros discursivos é numerosa, pois o homem necessita adaptar sua fala e escrita ao meio no qual está inserido.
Esse teórico pontua que o gênero surge das condições peculiares e dos objetivos de cada comunidade e não se diferencia apenas pelo tema ou pelos recursos linguísticos utilizados, mas pelo modo como se compõe estruturalmente. Valemo-nos durante nossas atividades diárias de diversos gêneros do discurso, na esfera jornalística, por exemplo, encontramos editoriais, crônicas, reportagens e notícias.
Conforme Baroni, Rosa, Mansur e Barcelar (2013), a notícia tem o objetivo de relatar a visão de alguém sobre algum fato e é escrita com o objetivo de estimular o interesse do interlocutor. Os autores também ponderam que esse texto apresenta especificidades próprias que o caracterizam enquanto gênero único e diferente dos demais, no entanto, isso não impede que ocorram mudanças ao longo dos anos dentro desses textos.
Também, Benassi (2007) destaca a importância de textos jornalísticos, como a notícia, que tem a capacidade de formar um indivíduo mais atento ao que acontece em seu meio social. A pesquisadora menciona o caráter interativo da notícia que tem a finalidade de apontar um fato e, dessa forma, é propiciada a interação entre o escritor, o texto e o interlocutor. Expõe, ainda, o recurso ideológico utilizado pela notícia que sempre será produto de uma época histórica e direcionada a uma comunidade. Benassi (2007) pontua as características estruturais desses textos como a utilização do lide que estará presente nos primeiros parágrafos e tem a função de resumir que fato aconteceu, quando, onde, como, que pessoas ou que está envolvido.
A partir dessas perspectivas que se tornam relevantes ao ensino da língua materna, trabalhamos o gênero notícia. Uma das turmas em que o PIBID desenvolve atividades em aulas de Português é a de um segundo ano do Ensino Médio de um Colégio Estadual de Irati-PR. Antes de iniciarmos nosso trabalho, aplicamos uma sondagem para que soubéssemos quais conceitos os estudantes tinham sobre a notícia: a) se os discentes já tinham tido contato com o gênero; b) o que entendiam por notícia; c) quais assuntos eram retratados; d) e se haviam escrito um texto pertencente a esse gênero. As respostas foram as mais variadas e o que mais chamou atenção foi com relação à temática. Os alunos pontuaram que os assuntos retratados pelas notícias eram sobre mortes, roubos, por exemplo.
Levando em consideração as respostas dadas, escolhemos notícias que fugissem dos temas elencados. Na aula, destacamos que o que fará um emaranhado de palavras ser um gênero discursivoyouxé o modo como ele se estrutura; comentamos que esses textos sempre terão uma finalidade e um público-alvo. Após destacarmos alguns itens acerca dos gêneros, refletimos como a notícia se estrutura, a que público pode se destinar e qual pode ser seu objetivo. Em um segundo momento, entregamos uma notícia e pedimos, por meio de um roteiro de leitura, para que fossem identificados os elementos do lide (que fato aconteceu, quando, onde, como, que pessoas ou o que está envolvido) e indagamos qual poderia ser o possível leitor e qual o objetivo do gênero.
Ao longo das aulas, entregamos material escrito acerca da estrutura da notícia, lemos uma reportagem e destacamos o que a diferencia da notícia, pedimos para que os estudantes transformassem a reportagem em notícia, estudamos notícias sensacionalistas, comentamos sobre a importância de se investigar as fontes para não sermos alvos fáceis a mercê de sites, jornais, revistas mal-intencionados. No decorrer das atividades, colocamos em discussão o fato de a notícia ser a visão de alguém sobre algum fato e que quem a escreve deve seguir a ideologia do jornal. Para nortear esses debates, nos debruçamos sobre o textoO repórter de três cabeças, escrito por José Castelo, publicado em 1997, no jornal o Estado de São Paulo, e comparamos duas manchetes que contavam o mesmo fato com visões completamente distintas.
A última proposta de reflexão relacionada ao gênero notícia foi a leitura de uma notícia que era escrita se valendo de gírias com linguagem bastante coloquial. A partir dessa atividade, trouxemos para a sala de aula discussões sobre as diferentes formas que utilizamos nosso idioma, pontuamos que as gírias utilizadas hoje são diferentes daquelas usadas há 50 anos.
Depois desses procedimentos, propomos a escrita de uma notícia, lemos e corrigimos os textos, apontando, por meio de bilhetes, os elementos que poderiam ser revistos e melhorados. Após, o texto foi reescrito, corrigido e durante uma aula posterior foram tecidos comentários sobre as refacções. Por fim, as notícias dos estudantes foram expostas no mural do Colégio.
O trabalho empreendido com o gênero notícia se mostrou bastante profícuo, pois, por meio dessa atividade, discutimos diversos pontos com o intuito de, além de identificar as características da notícia, que tem ampla circulação social, colocar em voga que um texto sempre será produto da visão de alguém. Debatemos o gênero abordado em sala de aula englobando suas múltiplas facetas (o aspecto ideológico, as variedades linguísticas presentes), para que os indivíduos percebessem as subjetividades presentes no discurso. As atividades ocorreram de modo satisfatório e os alunos se mostraram interessados.
A partir desses procedimentos metodológicos, constamos a importância de envolver a sala de aula com textos que circulam na sociedade, pois, dessa forma, os estudantes envolveram-se nos debates propiciados pelo professor. E, por meio disso, puderam tornar sua relação com o gênero notícia mais reflexiva e crítica.

Referências
BACELAR, Roberta Baldo; BARONI, Daniela; MANSUR, Rosana; ROSA, Teresa Ratti de Oliveira. O Gênero textual notícia: do jornal impresso ao on-line. In Anais do Encontro Nacional de História da Mídia, Ouro Preto, 2013.

BAKHTIN, Mikhail. Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes, 1997.

BENASSI, Maria Virginia Brevilheri. O gêneronotícia: uma proposta de análise e intervenção. In: CELLICOLÓQUIO DE ESTUDOS LINGUÍSTICOS E LITERÁRIOS. 2007, p.1791- 1799.

BRASIL. Parâmetros curriculares nacionais para o ensino médio. Brasília: 2000. 

PARANÁ. Diretrizes Curriculares de Educação Básica. Curitiba: 2008.