sexta-feira, 29 de maio de 2015

Modos de leitura na escola: análise do gênero discursivo convite de aniversário

Por: Rosana Taís Rossa

Todo estudo acerca dos gêneros discursivos deve abranger a análise dos elementos que os constituem, além de criar uma ponte entre o texto e a realidade dos alunos. Ao escolhermos o convite de aniversário, devemos levar em conta todos os fatores que o determinam como sendo pertencente a esse gênero. Segundo Menegassi (2010), os componentes estudados devem ser a finalidade, o interlocutor, a temática, a organização composicional, o estilo de linguagem, a circulação social, o suporte textual e a posição do autor.



No exemplo de convite escolhido, podemos observar que cada um destes componentes podem ser facilmente identificados:
Gênero discursivo: Convite de aniversário.
Finalidade: Para que o texto foi construído. “Convidar determinadas pessoas para um evento e fornecer informações para que os requisitados compareçam”.
Interlocutor: Para quem o texto é direcionado? “Pessoas queridas e próximas da família”.
Temática: Maneira como o texto é construído. “Apresentação do local, data e horário da festa, além de foto do aniversariante com desenhos infantis, destacando que o motivo da festa é uma criança”.
Organização composicional: Estrutura textual e organização dos elementos no texto.
- Título do texto (Convite do meu 1º aninho);
- Outro gênero embutido: o versinho (Este meu dia feliz 1 aninho irei completar. Que Jesus guie meus passos na estrada que vou trilhar);
- Fotos do aniversariante, fundo com tema de natureza e personagem bíblico infantil;
- Dados da festa (dia, hora e local).
Estilo de linguagem: Escolha lexical. “Palavra no diminutivo (aninho)”.
Circulação social: Onde o texto irá circular. “Convidados específicos selecionados pela família”.
Suporte textual: Aspecto visual onde o leitor irá visualizar o texto. “Papel de foto, impresso e entregue dentro de envelope aveludado”.
Posição do autor: Forma como o autor do texto se posiciona durante a produção do discurso. “O autor não utiliza expressões como “contamos com sua presença” ou “você não pode faltar”, mas subentende-se que ele espera que os convidados compareçam, já que entregou o convite pessoalmente e utilizou esses termos oralmente”.
Tomando como ponto de partida a leitura e discussão do gênero discursivo “convite de aniversário”, pode-se realizar as seguintes atividades:
1º passo: Questionar os alunos acerca do conhecimento que eles têm sobre os gêneros discursivos. Em seguida, explicar à turma o que são esses gêneros e por que eles existem. Citar exemplos.
2º passo: Entregar o convite e perguntar se eles o identificam como um texto. Explorar as concepções de texto.
3º passo: Fazer a leitura do convite juntamente com a turma. Perguntar se eles participariam da festa em questão.
4º passo: Questionar os discentes sobre o plano de fundo do convite. Ele é apropriado? Você conhece o personagem que aparece no convite? Que outros personagens poderiam servir como plano de fundo para convites infantis? E se fosse para uma festa de 10 anos, será que esse desenho seria mantido? O tema de natureza condiz com o smilinguido?
5º passo: Explorar o conhecimento de mundo dos alunos. Perguntar para a turma se um convite de casamento apresenta a mesma estrutura ou se ele traz um designe próprio. A partir dessa discussão, pedir que os alunos citem frases que geralmente aparecem nos convites de enlace matrimonial.
6º passo: Observar e discutir sobre o discurso religioso que aparece no texto.
7ª passo: Conversar com os alunos sobre o material em que os convites vêm sido confeccionados. Os antigos modelos comprados prontos foram mantidos ou foram substituídos por novas artes? Que tipos de convites eles recebem ou conhecem?
8º passo: Mostrar para a turma diferentes modelos de convites, sejam eles de casamento, chá de bebê ou de panela, encontros religiosos, festas, formaturas, bailes ou eventos sociais. Buscar semelhanças entre esses convites.
9º passo: Apresentar para a turma outros modelos de convites de aniversário, tanto infantis como de adultos. Procurar identificar em cada um deles os elementos que constituem o gênero como finalidade, interlocutor, temática, organização composicional, linguagem, estilo, circulação, suporte e posição do autor, e de que forma esses elementos são apresentados em cada modelo.
10º passo: Por fim, pode-se solicitar que os alunos criem um convite para o aniversário deles, observando cada um dos elementos discutidos. Outra possibilidade é pedir que a turma recrie o convite estudado, adicionando mais informações e detalhes. Sugere-se ainda que a turma crie um versinho infantil e substitua o que aparece no convite.
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É relevante destacar que não é recomendável abordar diretamente o gênero escolhido, mas sim acionar e explorar os conhecimentos prévios dos alunos, por isso é importante explorar se a turma já conhece os gêneros discursivos e sua finalidade. Posteriormente discute-se os elementos específicos de cada texto selecionado.
Por fim, Menegassi (2010) destaca a importância de se realizar práticas de leitura de vários textos do mesmo gênero, para que assim os alunos percebam quais características são determinantes para a definição de um determinado gênero como tal.

Referência

MENEGASSI, R. J. Práticas de letramento. In: SANTOS, A. R. dos; ROMUALDO, E. C.; RITTER, L. C. B. Letramento e escrita. Maringá: Eduem, 2010.

sexta-feira, 22 de maio de 2015

21 de maio: dia do profissional de Letras

O profissional de Letras e a luta contra o preconceito linguístico

Disponível em: http://mudamais.com/o-profissional-de-letras-e-luta-contra-o-preconceito-linguistico. Acesso em 22 de maio de 2015.




Oswald de Andrade  já dizia em seus escritos, há quase 100 anos, que as normas cultas do portugês brigam com a língua falada no Brasil. Em um de seus poemas, o autor coloca a oposição entre a gramática do professor e do aluno ("Dê-me um cigarro") e o português falado pela nação brasileira ("Deixa disso camarada / Me dá um cigarro").
E hoje, dia 21 de maio,  quando se comemora o dia do profissional de Letras, o Muda Mais vai tentar explicar por que o professor de português não consegue evitar o evoluir de uma língua. E por isso fica meio ridículo apontar construções como os livro como erradas ou coisa de analfabeto. E não estamos aqui justificando ignorância ou ensino inadequado.
Pense num idioma qualquer. Pensou? Agora imagine como esse idioma era falado há 100, 150 anos. Mudou alguma coisa de lá pra cá? A resposta é sim, e não importa em que idioma você pensou. Se tomarmos o português brasileiro como exemplo, basta perguntar: quem, além da Bíblia, fala vós ides à escola todo dia ? Aliás, quem ainda sabe que ides é a conjugação do presente do indicativo do verbo ir para o pronome vós?
A constante evolução das línguas leva a alterações em detalhes como a marcação de plural. Em vários cantos do país, o plural vem sendo marcado de maneira diferente do que ensinam as gramáticas. Enquanto os livros de português ensinam Os livros estão na estante, muita gente diz os livro está na estante.
Esse uso do plural é registrado no português falado em várias cidades de norte ao sul do Brasil, interior e capitais, e em qualquer classe social, com qualquer grau de escolaridade. E antes que você diga que isso tá errado ou é coisa de analfabeto, em pesquisa rápida no Google foram descobertos ao menos três artigos acadêmicos falando sobre isso que mostram esse uso do plural. Ou seja: há fundamentação científica para afirmar que a língua está se modificando.

Existe uma constância nesse comportamento: o plural é marcado sempre na primeira palavra do trecho. E mesmo quem está pronto a corrigir a frase para o plural dos livros de português só faz isso porque já entendeu que a frase está no plural.
“Chegamos a um ponto em que a língua que falamos em casa é estruturalmente diferente daquele português que aprendemos em sala de aula”, diz o professor Dioney Moreira Gomes, do departamento de Linguística da UnB. “Por isso, o aluno se assusta com o português padrão apresentado nas escolas, que não é discutido e sim imposto de cima para baixo de maneira mnemônica e sem reflexão. Não se admite um questionamento do uso das estruturas gramaticais, apenas obriga-se a aceitá-las como a única forma certa de uso do português. Isso cria um mal-estar em relação à língua que falamos todos os dias com nossos pais e irmãos.”
Esse estereótipo de falar a língua certa, pois todas as variações são erradas, é reforçado pela grande mídia, que simplesmente ignora os estudos científicos a respeito das alterações no português falado no Brasil. Quem se lembra do caso do livro do MEC?
Sem se dar ao trabalho de divulgar imagem do livro, a imprensa noticiou, em 2011, que o PSDB denunciava no Congresso que o livro da coleção Viver e Aprender “ensinava português errado” às crianças. Nem se deram ao trabalho de descobrir que o livro é multidisciplinar e voltado para a Educação de Jovens e Adultos (EJA). E que a frase errada era explicada e reapresentada de acordo com a norma culta.
Houve quem afirmasse que o livro era uma forma de “justificar o presidente Lula e o modo como ele fala” (...).

Chico Bento nos representa! :D
Em tempo: plural diferente não é errado, e isso se comprova cientificamente, basta ver os três links neste post. Mas dois Paraguais e nenhum Equador  não há texto científico que justifique.

Obs.: confira texto na íntegra em: 
http://mudamais.com/o-profissional-de-letras-e-luta-contra-o-preconceito-linguistico

sexta-feira, 15 de maio de 2015

A leitura tutorial

Por: Franciane Lava

A leitura tutorial nada mais é que uma leitura em que ocorre a mediação do professor em sala de aula, ou seja, o professor conduz os seus alunos à compreensão do texto, realizando as intervenções didáticas necessárias.
A leitura tem um papel fundamental na construção de novos saberes, assim, serão explicitadas algumas estratégias que o professor pode utilizar para melhorar a compreensão leitora, juntamente com um exemplo desse tipo de abordagem.
A escrita intensificou-se como necessidade dentro de uma sociedade. Apenas ler e escrever, ou basicamente decodificar, não é mais suficiente. É preciso desenvolver competências para usar a leitura e a escrita.
Esta é uma tarefa da escola, que necessita desenvolver atividades em que os alunos progridam em relação à leitura, ou seja, desenvolvam a capacidade de inferir, compreender, interpretar e refletir sobre os textos lidos. Todo esse processo tem por objetivo que o aluno aprenda a partir dos textos que lê. O texto a seguir foi escolhido para exemplificar o trabalho com a leitura tutorial.


Perspectiva
Em dez anos, os brasileiros vão preferir gatos a cachorros
O Índice Big Mac mede a valorização das moedas de cada país. Agora surge o Big Cat, um indicador de progresso baseado na população de felinos domésticos.
Duda Teixeira





Na corrida pelo coração do homem, os cachorros largaram na frente. Os primeiros lobos, ancestrais dos cães que conhecemos, foram domesticados há 100.000 anos. Eles se aproximaram dos acampamentos em busca de restos de alimentos. Seus filhotes ganharam abrigo e foram escalados para ajudar nas caçadas.
Os gatos só entraram no nosso convívio bem depois, há 4 000 anos, no Egito. O trabalho deles era comer os ratos que se infiltravam nos depósitos de comida. Nas sociedades modernas, o cachorro manteve a primazia e ganhou o título de melhor amigo do homem, mas uma revanche dos felinos já está em andamento.
A expansão e o enriquecimento das cidades e as mudanças demográficas fizeram com que o número de felinos crescesse aceleradamente em vários países. Nos Estados Unidos, na França e na Alemanha, a população de gatos já é maior que a de cães.
No Brasil, a virada deve ocorrer daqui a dez anos, pelos cálculos da Associação Brasileira da Indústria de Produtos para Animais de Estimação (Abinpet). “Em 2022, para cada cachorro que for visto passeando na rua de coleira, haverá um gato dentro de uma casa”, diz o engenheiro agrônomo José Edson Galvão de França, presidente executivo da Abinpet. (Disponível em: <http://veja.abril.com.br/noticia/ciencia/o-indice-big-cat> Acesso em 28 de janeiro de 2015).

Inicialmente, estabeleça um objetivo para o texto a ser lido. Por exemplo, para o texto escolhido, que trabalha com a questão da preferência por animais, o professor poderá diante de uma aula de leitura, estabelecer o objetivo de ler para aprender sobre o mundo animal.
Para darmos continuidade ao nosso trabalho, vamos ativar os conhecimentos prévios dos alunos, sendo esse um trabalho muito importante antes de se realizar a leitura. Basicamente comece pelo título, pois geralmente os títulos dão pistas do assunto que será tratado no texto. O título do texto a ser trabalhado é “Perspectiva (Em dez anos, os brasileiros vão preferir gatos a cachorros)”. O professor poderá intermediar com as seguintes perguntas, entre outras;
  • O que significa a palavra perspectiva?
  • Geralmente quando essa palavra é adotada?
  • Qual será o ponto de vista defendido no texto?
Logo após, o professor deverá entregar o texto aos alunos e realizar uma leitura silenciosa, pois ela é fundamental para a compreensão de um texto. Também é importante que depois da leitura silenciosa o professor realize a leitura junto com os alunos. De acordo com Bortoni-Ricardo (2010, p.57);

(...) a função do professor no momento da leitura deve ser o de fornecer instruções para que os próprios leitores cheguem à compreensão dos textos. Os próprios alunos devem selecionar as marcas do texto, formular hipóteses e verificá-las, enfim, construir interpretação. Os alunos devem ser responsáveis pelo desenvolvimento de sua compreensão leitora, mas é imprescindível que o professor assuma o papel de mediador nesse exercício. Todos devem estar envolvidos nas tarefas de leitura; a leitura deve ser compartilhada.

Após essa leitura silenciosa, o professor continua trabalhando como mediador para que essa leitura seja realizada com sucesso. Assim, no decorrer da leitura tutorial opte se for necessário a trabalhar com o vocabulário, ou seja, com as palavras desconhecidas pelos alunos. Porque se o texto possui palavras desconhecidas por eles, pode vir a comprometer a compreensão e a interpretação.
Em seguida, o texto deve ser lido frase por frase juntamente com os alunos, para que ocorra a interpretação, compreensão e também inferir alguns pontos não explícitos. É importante que o professor produza várias perguntas antes, para que na hora dessa leitura seqüenciada, possa lançá-las para mediar a leitura do texto. Para exemplificar, vejamos algumas possíveis perguntas, durante essa leitura;
1º parágrafo
  • Qual animal que conquistou primeiro o coração do homem?
  • Os lobos são animais selvagens?
  • Como eles se aproximaram dos seres humanos?
2º parágrafo
  • Qual animal possui prestígio no Egito?
  • Antigamente, qual era a maior função dos gatos?
  • Por que será que os cachorros se tornaram tão amigáveis?
  • Em sua opinião, quais motivos estão ocorrendo para que os cachorros perdessem seus postos?
3º parágrafo
  • Quais foram as maiores mudanças demográficas que ocorreram?
  • Essas mudanças privilegiaram a preferência por felinos?
  • Qual é imagem que tínhamos antes dos gatos e que não temos atualmente?
4º parágrafo
  • Em sua opinião, por que demorará dez anos para que os gatos ganhem preferência no Brasil?
  • Vocês têm preferência por gatos ou por cachorros?
  • Vocês têm alguma curiosidade para contar para seus colegas a respeito dos gatos ou cachorros?
O professor, durante a leitura, precisa ficar atento às dúvidas, deve acatar opiniões e procurar manter o diálogo a respeito do texto. Mas nosso trabalho não para aqui, precisa-se avaliar a leitura do texto. Para isso, o professor pode realizar perguntas, solicitar um resumo, ou, simplesmente, continuar o diálogo e perguntar qual era o assunto principal do texto, e elencar juntamente com os alunos as ideias principais do texto.
É muito importante adotar a leitura tutorial como metodologia de ensino, pois o dialogo entre o professor e aluno resulta numa leitura muito mais satisfatória e eficaz.

Referências
BORTONI-RICARDO, S. M.; MACHADO, V. R.; CASTANHEIRA, S. F. Formação do professor como agente letrador. São Paulo: Contexto, 2010.

TEIXEIRA, Duda. Em dez anos, os brasileiros vão preferir gatos a cachorros. Disponível em: <http://veja.abril.com.br/noticia/ciencia/o-indice-big-cat. Acesso em 28 de janeiro de 2015.

sexta-feira, 8 de maio de 2015

Paraná: Estado democrático de direito?

Por: Lorena Reck Portela Rebesco

Após a propositura dos projetos de Lei nº 6/2015, 60/2015 e 252/2015 junto à Assembleia Legislativa do Estado do Paraná (Alep), muito se tem ouvido falar sobre previdência. De um lado os servidores públicos temem ficar sem a sua aposentadoria, de outro a base do governo diz que a medida é necessária e que não há qualquer risco para os servidores.
O fato é que o projeto deveria ter uma discussão mais ampla, até porque a maioria da população sequer entende muito bem o que é previdência e quais são os regimes previdenciários existentes no país.
A previdência é um fundo onde os trabalhadores e empregadores depositam mensalmente uma quantia. O saldo depositado pode ser utilizado para vários fins, o mais comum é a aposentadoria por idade, quando os trabalhadores de uma determinada faixa etária mais avançada já não precisam mais trabalhar, mas continuam recebendo seus proventos. O fundo arrecadado também pode ser utilizado para o pagamento de licença maternidade, auxílio doença, aposentadoria por invalidez etc.
Cada classe de trabalhadores tem um regime que regulamenta sua previdência. Os trabalhadores regidos pela CLT (Consolidação das Leis do Trabalho), em regra, seguem o regime do INSS (Instituto Nacional de Seguridade Social). Os servidores federais seguem as normas estabelecidas na Lei 8.112/1990. Já os servidores do Paraná obedecem às normas previstas na Lei 6.174/1970.
Com a falência do antigo IPE (Instituto de Previdência do Estado) e com a intenção de melhor administrar a previdência pública do Paraná, em 1998 criou-se a Paranaprevidência, sob a concepção do engenheiro Renato Follador. Na época os recursos foram repartidos em dois fundos.
O primeiro, chamado fundo de previdência, ficou responsável por recolher e pagar os benefícios dos servidores novos, que na época estavam ingressando no serviço público, e também dos ativos que, na data da publicação da lei (1998), contavam com até 50 anos, no caso dos homens, e até 45 anos, no caso das mulheres.
Ao segundo, denominado fundo financeiro, cabia o pagamento dos funcionários inativos e dos que, embora em atividade, tivessem idade superior a 50 e 45 anos (homens e mulheres, respectivamente).
A referida lei instituidora da Paranaprevidência também determinou que o saldo do fundo previdenciário só poderia ser movimentado em 2033, quando, então, se tornaria auto suficiente. Como este fundo reuniria servidores mais novos, ainda não aposentados, ele poderia se capitalizar ao longo dos anos para, no futuro, honrar o pagamento das aposentadorias com seus próprios recursos.
Enquanto isso, o fundo financeiro, marcado por um forte déficit, seria mantido com aportes mensais do governo do Estado até que o último benefício fosse pago ao último servidor, quando então ocorreria a extinção desse fundo.
Contudo, o descontrole na gestão do Estado levou o governador Carlos Alberto Richa, no início do ano, a tentar reformar a previdência mediante a propositura dos Projetos de Lei nº 06/2015 e 60/2015. É que com a crise financeira estadual, não havia dinheiro suficiente para pagar os servidores que recebiam seus proventos do fundo financeiro (deficitário). O então projeto visava unir os dois fundos, e os oito bilhões depositados no fundo previdenciário (superavitário) poderiam ser utilizados para pagar todos os benefícios dos servidores do Estado.
Descontentes com a reforma, os servidores do Paraná saíram às ruas em protesto. No dia 10/02/2015 os deputados da base aliada, com medo dos funcionários públicos, tiveram que entrar na Alep em um camburão. Como a votação do projeto não foi suspensa, manifestantes invadiram a Alep em 10/02/2015 e o restante da categoria entrou em greve.

                        Invasão da Alep em 10/02/2015


Após intenso esforço, e com a ajuda do judiciário, firmou-se um acordo, por meio do qual o governo se comprometeu a deixar a previdência da forma como estava. E caso viesse a propor um novo projeto de lei sobre a questão, haveria um amplo debate, com a participação dos sindicatos, do Ministério Público, do Poder Judiciário e do Tribunal de Contas.
Contudo, pouco mais de um mês após a assinatura do referido acordo judicial, a base aliada do governo apresentou um novo projeto, sob nº 252/2015, a ser votado pelo regime de urgência, ou seja, o mais rápido possível. O objetivo era repassar para o fundo previdenciário 33 mil servidores com 73 anos ou mais. Isso aliviaria o Fundo Financeiro em uns R$ 140 milhões por mês, e o governo economizaria esse dinheiro.
É claro que os servidores entraram novamente em greve e foram às ruas quando o projeto estava na iminência de ser votado. Mais uma vez tentou-se ocupar a Alep, contudo, o governo já havia colocado no Centro Cívico mais de 1.600 policiais militares, juntamente com a tropa de choque. O confronto resultou em um massacre, com mais de 230 professores e estudantes feridos, e na aprovação de um projeto onde não houve a observância de preceitos constitucionais fundamentais.



                               Professores e alunos feridos após o massacre do dia 29/05/2015



Durante a deliberação e votação do projeto, os maiores interessados não puderam comparecer, de modo que essa omissão violou o artigo 10 da Constituição Federal, segundo o qual é “assegurada a participação dos trabalhadores e empregadores nos colegiados dos órgãos públicos em que seus interesses profissionais ou previdenciários sejam objeto de discussão e deliberação”.
Além disso, um projeto dessa complexidade jamais poderia ser votado em regime de urgência, mas sim pelo procedimento ordinário, respeitando-se a deliberação, utilização de recursos, emendas e a participação da população. O regime de urgência é incompatível com o “amplo debate” assegurado no acordo judicial celebrado após a primeira greve.
Com relação ao mérito do projeto, ou seja, para se chegar-se a uma conclusão dos pontos positivos ou negativos, seria necessário um estudo mais aprofundado, o que demandaria mais tempo de discussão. A princípio, o próprio criador da Paraná Previdência, Renato Follador, já declarou que com a mudança “abandona-se o financiamento por capitalização, pelo qual haveria recursos para pagar aposentadorias até a morte de todos os servidores do Fundo Previdenciário. No lugar, entra o princípio da solvência atuarial: um determinado número de anos em que haverá recursos para pagar as aposentadorias daquele grupo (...) com a nova lei esgotará seus recursos em uns 30 anos. O governo usou dinheiro de longo prazo dos servidores para pagar despesas de curto prazo”.

                               Renato Follador: criador da Paraná Previdência


O desfecho desse conflito é aguardado com muita angústia, não apenas por parte dos servidores, mas também pelos cidadãos de uma nação que teve seus princípios constitucionais fundamentais ultrajados e desrespeitados, princípios estes conquistados com muita luta e a custa de muitas vidas.


Referências:



sábado, 2 de maio de 2015

Ora pois, uma língua bem brasileira

Disponível em: http://revistapesquisa.fapesp.br/2015/04/08/ora-pois-uma-lingua-bem-brasileira/. Acesso em 02 de maio de 2015.

A possibilidade de ser simples, dispensar elementos gramaticais teoricamente essenciais e responder “sim, comprei”, quando alguém pergunta “você comprou o carro?”, é uma das características que conferem flexibilidade e identidade ao português brasileiro. A análise de documentos antigos e de entrevistas de campo ao longo dos últimos 30 anos está mostrando que o português brasileiro já pode ser considerado único, diferente do português europeu, do mesmo modo que o inglês americano é distinto do inglês britânico. O português brasileiro ainda não é, porém, uma língua autônoma: talvez seja – na previsão de especialistas, em cerca de 200 anos – quando acumular peculiaridades que nos impeçam de entender inteiramente o que um nativo de Portugal diz.

A expansão do português no Brasil, as variações regionais com suas possíveis explicações, que fazem o urubu de São Paulo ser chamado de corvo no Sul do país, e as raízes das inovações da linguagem estão emergindo por meio do trabalho de cerca de 200 linguistas. De acordo com estudos da Universidade de São Paulo (USP), uma inovação do português brasileiro, por enquanto sem equivalente em Portugal, é o Rcaipira, às vezes tão intenso que parece valer por dois ou três, como em porrrta ou carrrne.
Associar o R caipira apenas ao interior paulista, porém, é uma imprecisão geográfica e histórica, embora o R desavergonhado tenha sido uma das marcas do estilo matuto do ator Amácio Mazzaropi em seus 32 filmes, produzidos de 1952 a 1980. Seguindo as rotas dos bandeirantes paulistas em busca de ouro, os linguistas encontraram o Rsupostamente típico de São Paulo em cidades de Minas Gerais, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Paraná e oeste de Santa Catarina e do Rio Grande do Sul, formando um modo de falar similar ao português do século XVIII. Quem tiver paciência e ouvido apurado poderá encontrar também na região central do Brasil – e em cidades do litoral – o S chiado, uma característica hoje típica do falar carioca que veio com os portugueses em 1808 e era um sinal de prestígio por representar o falar da Corte. Mesmo os portugueses não eram originais: os especialistas argumentam que o Schiado, que faz da esquina uma shquina, veio dos nobres franceses, que os portugueses admiravam.
A história da língua portuguesa no Brasil está trazendo à tona as características preservadas do português, como a troca do L pelo R, resultando em pranta em vez deplanta. Camões registrou essa troca em Os lusíadas – lá está um frautas no lugar deflautas – e o cantor e compositor paulista Adoniran Barbosa a deixou registrada em diversas composições, em frases como “frechada do teu olhar”, do samba Tiro ao Álvaro. Em levantamentos de campo, pesquisadores da USP observaram que moradores do interior tanto do Brasil quanto de Portugal, principalmente os menos escolarizados, ainda falam desse modo. Outro sinal de preservação da língua identificado por especialistas do Rio de Janeiro e de São Paulo, dessa vez em documentos antigos, foi a gente ou as gentes como sinônimo de “nós” e hoje uma das marcas próprias do português brasileiro.
Célia Lopes, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), encontrou registros de a gente em documentos do século XVI e, com mais frequência, a partir do século XIX. Era uma forma de indicar a primeira pessoa do plural, no sentido de todo mundo com a inclusão necessária do eu. Segundo ela, o emprego de a gente pode passar descompromisso e indefinição: quem diz a gente em geral não deixa claro se pretende se comprometer com o que está falando ou se se vê como parte do grupo, como em “a gente precisa fazer”. Já o pronome nós, como em “nós precisamos fazer”, expressa responsabilidade e compromisso. Nos últimos 30 anos, ela notou, a gente instalou-se nos espaços antes ocupados pelo nós e se tornou um recurso bastante usado por todas as idades e classes sociais no país inteiro, embora nos livros de gramática permaneça na marginalidade.
Linguistas de vários estados do país estão desenterrando as raízes do português brasileiro ao examinar cartas pessoais e administrativas, testamentos, relatos de viagens, processos judiciais, cartas de leitores e anúncios de jornais desde o século XVI, coletados em instituições como a Biblioteca Nacional e o Arquivo Público do Estado de São Paulo. A equipe de Célia Lopes tem encontrado também na feira de antiguidades do sábado da Praça XV de Novembro, no centro do Rio, cartas antigas e outros tesouros linguísticos, nem sempre valorizados. “Um estudante me trouxe cartas maravilhosas encontradas no lixo”, ela contou.
(...)
Bilhetes de amor
Os linguistas têm notado a expansão do tratamento informal. “Tenho 78 anos e devia ser tratado por senhor, mas meus alunos mais jovens me tratam por você”, diz Castilho, aparentemente sem se incomodar com a informalidade, inconcebível em seus tempos de estudante. O você, porém, não reinará sozinho. Célia Lopes, com sua equipe da UFRJ, verificou que o tu predomina em Porto Alegre e convive com o você no Rio de Janeiro e em Recife, enquanto você é o tratamento predominante em São Paulo, Curitiba, Belo Horizonte e Salvador. O tu já era mais próximo e menos formal que você nas quase 500 cartas do acervo on-line da UFRJ, quase todas de poetas, políticos e outras personalidades do final do século XIX e início do XX.

Como ainda faltava a expressão do falar das pessoas comuns, Célia e sua equipe exultaram ao encontrar 13 bilhetes escritos em 1908 por Robertina de Souza para seu amante e para seu marido. Esse material era parte de um processo-crime movido contra o marido, que expulsou de sua casa um amigo e a própria mulher ao saber que tinham tido um caso extraconjungal e depois matou o ex-amigo. Em um dos 11 bilhetes para o amante, Álvaro Mattos, Robertina, que assinava como Chininha, escreveu: “Eu te adoro te amo até a morte sou tua só tu é meu só o meu coracao e teu e o teu coracao é meu. Chininha e todinha tua ate a morte”. Já o marido, Arthur Noronha, que recebeu apenas dois bilhetes, ela tratava de modo mais formal: “Eu rezo pedindo a Deus para você me perdoar, mas creio que voce não tem coragem de ver morrer um filho o filha”. E mais adiante: “Não posso me separar de voce e do meu filho a não ser com a morte”. Não se sabe se ela voltou para casa, mas o marido foi absolvido, por alegar que matou o outro homem em defesa da honra.
Outro sinal da evolução do português brasileiro são as construções híbridas, com um verbo que não concorda mais com o pronome, do tipo tu não sabe?, e a mistura dos pronomes de tratamento você e tu, como em “se você precisar, vou te ajudar”. Os portugueses europeus poderiam alegar que se trata de mais uma prova de nossa capacidade de desfigurar a língua lusitana, mas talvez não tenham tanta razão para se queixar. Célia Lopes encontrou a mistura de pronomes de tratamento, que ela e outros linguistas não consideram mais um erro, em cartas do marquês do Lavradio, que foi vice-rei do Brasil de 1769 a 1796, e, mais de dois séculos depois, em uma entrevista do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso.
Projeto
Projeto de história do português paulista (PHPP – Projeto Caipira) (nº 11/51787-5);Modalidade Projeto Temático; Pesquisador responsável Manoel Mourivaldo Santiago Almeida(USP); Investimento R$ 87.372,10 (FAPESP).

Confira texto na íntegra em:
http://revistapesquisa.fapesp.br/2015/04/08/ora-pois-uma-lingua-bem-brasileira/. Acesso em 02 de maio de 2015.